quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

LOS ANGELES


Embora cada canto dos States tivesse os fanáticos seguidores das bandas de garagem, Los Angeles parecia ser a cidade mais próspera em termos de bandas punks. A cidade tinha uma vibrante cena, abastecida por uma mídia constante, um vasto número de clubes e dezenas de selos independentes. Havia, literalmente, centenas de bandas na região de Los Angeles, fazendo gravações, aparecendo na mídia, tendo participações em filmes exibidos nos drive-ins e vivendo uma vida de astros. É claro, poucos grupos expandiram sua influência para além das fronteiras da cidade, mas a maioria deixou centenas de vinis promocionais para a posteridade, para todos aqueles que estavam fora dos limites de Los Angeles soubessem posteriormente o que estavam perdendo. Há uma coletânea da gravadora A.I.P. que mostra muito bem a evolução do rock de garagem de Los Angeles nos Anos 1960, que vai do punk dançante de inclinações R&B, passando pelo punk adolescente e chegando ao punk flower power.

Embora muitos aficionados não concordem que os Byrds e o Love fossem parte da cena, eles foram muito importantes. Os Byrds praticamente inventaram o folk-rock e instantaneamente se tornaram uma influência crucial – tão importantes quanto Rolling Stones ou Pretty Things – para todas as jovens bandas punks. Ouvindo as gravações dos primeiros tempos da banda (quando eles ainda se chamavam Preflight e gravavam pela Together Records) podemos perceber que os Byrds eram também uma boa banda de garagem (especialmente em gravações como “You Movin’”), mas essa qualidade foi perdida embaixo da produção sofisticada de Terry Melcher. Os Byrds também influenciaram as bandas punk a se voltarem para a psicodelia quando lançaram seus dois clássicos, “5D” e “Eight Miles High”. O Love alcançou um sucesso em menor escala, mas parecia que a maioria das pessoas que comprava os seus discos também era formada por integrantes de outras bandas de garagem, porque há uma profusão de covers de canções do Love feitas por contemporâneos. Assim como os Byrds, o Love também esteve na linha de frente das vertentes folk-punk e punk psicodélico. Mas o Love passava longe da suavidade dos Byrds, devido ao fascínio que Arthur Lee possuía pelo estilo de Mick Jagger.

É importante lembrar que Los Angeles produziu também três das mais matadoras bandas punks dos Anos 1960 e que também chegaram a experimentar um limitado sucesso de nível nacional. Essas bandas eram The Music Machine, The Standells e The Seeds.

O Music Machine era uma banda bastante peculiar, com muita personalidade. Todos os seus integrantes usavam “uniformes” da cor preta e seus cabelos eram cortados em forma de concha virada para baixo. A “marca registrada” da banda eram as indefectíveis luvas pretas de couro. Isso dava para pessoas como Dick Clark assunto para falar durante as entrevistas em seu programa de TV American Bandstand. Assim como no vinil, a banda era magnífica quando executava ao vivo suas canções e até os covers. Sua sonoridade apresentava o frenético “diálogo” entre a guitarra e os teclados. O material original, que era composto pelo guitarrista/vocalista Sean Bonniwell, era rústico e agressivo. Algumas gravações, como “People In Me”, “Wrong”, “Come On In” e “Double Yellow Line” eram realmente maravilhosas, mas o grande clássico “Talk Talk” era insuperável em termos de ferocidade punk. Sean parecia sempre manter a sua voz sob controle todas as vezes que ele rosnava cada palavra da letra. Poucas gravações podem se equiparar à intensidade e à entrega desta pepita. O que evita que o primeiro LP da banda seja considerado uma perfeição talvez seja o fato de que eles tenham escolhido covers que, comparadas às originais, perdem feio. Se o álbum tivesse sido formado apenas por material original da banda, poderíamos estar aqui falando de um clássico inestimável do melhor rock de garagem já produzido em qualquer época. Mesmo assim, trata-se de um excelente álbum. O segundo LP não é tão bom, mas apresenta algumas faixas matadoras, e os singles que não saíram nos LPs também são “absolutamente positivamente” indispensáveis.

Os Standells começaram cedo. Eles tocavam um rock dançante influenciado por R&B já no período 1963/1964, gravando material de estúdio e fazendo aparições memoráveis em filmes e em programas de TV (como The Munsters). Mas foi em 1965, quando eles se aliaram ao produtor Ed Cobb, que as coisas começaram a ficar em seus devidos lugares. Cobb compôs “Dirty Water” para o grupo e, conforme o tempo foi passando, o resto é História. Durante o Verão de 1966, era impossível ouvir o rádio por uma hora e não ouvir “Dirty Water” pelo menos uma vez. Ed Cobb deu aos Standells um som mais palatável e encorpou o vocal da banda. E, o mais importante de tudo, ele concedeu aos Standells aquilo que toda banda punk que se preze sempre deve ter – um som saturado de fuzz, cortesia de uma Fuzz Box. Essa pequena invenção era usada mais pelas bandas punks do que por qualquer outro tipo de banda. O guitarrista deveria plugar a sua guitarra nessa caixinha mágica que, por sua vez, era conectada ao amplificador. Quando a caixa estava desligada, o som parecia normal, mas, quando era ligada (com uma pisada do guitarrista no botão “on”) a guitarra adquiria um som distorcido, um som totalmente “fuzzy”, que era a base de todos os riffs de guitarra no rock de garagem. A maior parte dos petardos que acabaram se tornando clássicos do rock de garagem sessentista apresenta guitarras que transbordam efeitos de fuzz. Quando os Standells adotaram a Fuzz Box e deixaram para trás o seu rockinho dançante, eles asseguraram o seu lugar na História do punk e “Dirty Water” se tornou um dos clássicos dessa Era.

Depois do sucesso de “Dirty Water”, eles tiveram poucas outras incursões bem sucedidas, como “Sometimes Good Guys Don’t Wear White” e o arrogante clássico menor “Why Pick On Me” e até excursionaram com os Rolling Stones. Mas eles jogaram fora toda a sua credibilidade quando lançaram The Hot Ones, uma inacreditável coletânea de hits do momento. Muitos consideravam os Standells como sendo os Rolling Stones de Los Angeles, e, por isso mesmo, ouvi-los interpretando sucessos como “Eleanor Rigby” era como receber uma facada nas costas.

A História provou que esse foi o maior erro da banda. Eles lançaram outros sólidos singles punks depois disso, como “Try” e “Barracuda”, mas nenhum desses foi bem sucedido comercialmente. Para quem não quiser se aprofundar na discografia, a coletânea The Best Of The Standells (Rhino) é essencial em toda coleção de punk de garagem que se preze.

Os Seeds eram tão básicos que a maioria das pessoas faziam uma idéia errada deles, pensando que eram tolinhos. Apesar da música de todas as suas canções parecer soar como sendo sempre a mesma, tal fato parecia não apagar o estilo e a classe que os Seeds realmente possuíam. O vocalista Sky Saxon se tornou uma figura largamente cultuada. Embora ele ande um pouco sumido, as pessoas continuam até hoje contando histórias das mais lisérgicas sobre essa lenda das garagens. Uma dessas histórias, por exemplo, dá conta que Sky teria se convertido a uma religião que adorava cachorros na década de 1970 (realmente, há um EP raríssimo creditado a um certo “Sunlight” lançado em 1976 e que versa sobre adoração religiosa a cães). Se isso for verdade, parece que a ressaca do Flower Power foi realmente longa.

Surpreendentemente, os álbuns dos Seeds (todos da Gravadora GNP) nunca saíram de catálogo, o que torna possível saber por que Sky Saxon se tornou uma lenda e o que ocasionou o declínio dos Seeds. O primeiro LP saiu no começo de 1966 – e foi um começo explosivo. A formação com órgão Vox, guitarra, bateria e vocal (formação esta adotada pelos Doors, cujo vocalista Jim Morrison era um ávido fã dos Seeds) deu à banda uma sonoridade que rapidamente a afastou da convencional formação de duas guitarras, baixo, bateria e vocal. Todas as faixas pareciam ter o mesmo fraseado de teclados e o mesmo solo de guitarra, o que dava à sua música um certo charme primitivo.

Os arranjos eram evidentemente secundários. Os Seeds sobreviviam através de seus hinos de ira punk adolescente, como “Can’t Seem To Make You Mine” e o óbvio clássico “Pushin’ Too Hard”, ambos cantados pela voz rascante e animalística de Sky Saxon. Ele rosnava e murmurava tanto que, na maior parte do tempo, parecia mais um animal ferido do que um vocalista de uma banda de rock’n’roll. Sua atitude desleixada apenas somava à mística dos Seeds. Eles também pouco se importavam se “Pushin’ Too Hard” era ou não era um sucesso (a canção alcançou a posição de nº 36 na parada da Billboard).

O segundo LP, Web Of Sound, também é muito importante, mas, depois disso, as coisas pareceram começar a desmoronar. Sky começou a ficar obcecado pelo Flower Power, e o resultado foi o álbum Future, o mais psicodélico dos álbuns dos Seeds. Saxon adicionou metais, cordas e cítaras ao riff característico e patenteado dos Seeds. Depois disso, ele tentou capitalizar em cima do “blues branco” que estava na moda. O resultado é que A Full Spoon Of Seedy Blues soa como uma das maiores imposturas que alguém já ouviu. Trata-se de um disco insípido. Mas o fim da banda foi digno, pois, antes de encerrar atividades, eles lançaram um forte álbum ao vivo e alguns singles interessantes pela MGM.

As outras bandas de Los Angeles não eram menos impressionantes. Poderíamos citar The Sons Of Adam, The Lyrics e The Bees como belas obscuridades que poderiam muito bem se equiparar ao triunvirato Music Machine/Standells/Seeds. A banda The Sons Of Adam lançou vários singles maravilhosos pesadamente inspirados na sonoridade dos Yardbirds. Eles também lançaram uma excelente versão de “Tomorrow’s Gonna Be Another Day”, original dos Monkees. Os Sons Of Adam evoluíram para a igualmente importante banda chamada The Other Half, que se tornou regular no circuito de shows em San Francisco. Os Lyrics eram igualmente sensacionais, mas, sendo contratados da gravadora GNP, não receberam tanta atenção quanto os seus colegas de gravadora, os Seeds. Mesmo assim, durante o período que vai de 1965 a 1968, eles lançaram uma leva de compactos que rivaliza com o melhor do rock de garagem produzido na cidade nesse período. Eles provavelmente receberam maior atenção quando surgiram com a paulada sonora transbordante de fuzz chamada “So What”, um excitante número de folk punk.

Os Leaves entraram para a História por terem perpetrado a versão mais bem sucedida comercialmente de “Hey Joe”, um standard garageiro dos sixties. Eles também alcançaram um grande sucesso local com o intenso folk punk “Too Many People”. Os Leaves pareceram nunca ter alcançado um ideal de influência musical, pois havia uma certa indecisão se eles se pareciam mais com os Byrds ou com os Rolling Stones. Apesar da confusão e de nunca mais terem equiparado o sucesso comercial que sua versão de “Hey Joe” alcançou em 1966, eles ainda gravaram excelentes números punks que seguraram a onda muito bem. O material gravado pelos Leaves também é importantíssimo em qualquer coleção de rock de garagem.

The Rain era produzido por Brian Ross, que também produziu a Music Machine, e o som dessa banda era pesadamente inspirado no R&B inglês, embora eles empregassem uma certa ferocidade frenética ao seu som. “ESP” foi a sua tentativa de encontrar o sucesso e se parecia muito com “LSD”, dos Pretty Things. Seria muito interessante se o material gravado por essa banda viesse à luz em alguma coletânea. Possivelmente deve haver várias outras gravações do The Rain esperando para ser descobertas.

Os Electric Prunes eram oriundos de Seattle, mas eles se estabeleceram em Los Angeles. Eles lançaram singles maravilhosos e álbuns que se tornaram clássicos, especialmente os dois primeiros, com destaque para Underground, verdadeira pepita de psicodelia garageira. Seu maior sucesso foi o inesquecível clássico “I Had Too Much To Dream Last Night”, título também do seu primeiro e excelente LP.

Havia também uma boa leva de bons grupos punks Mexicanos-Americanos que lançaram magníficas gravações no estilo R&B selvagem. Os Premiers alcançaram o sucesso com “Farmer John”, Cannibal & The Headhunters com “Land Of 1000 Dances” e The Midnighters com “Whittier Blvd”. Essas gravações passam a impressão de que foram feitas em festas regadas a muita bebedeira. Muitas delas merecem uma reedição.

Outras preciosidades do punk de Los Angeles foram “Makin’ Deals” (The Satans), “One Of These Days” (The Roosers), “Two Souls” (The Grim Reaper), “Invisible People” (Hamilton Streetcar), “Be A Caveman” (The Avengers), “Race With The Wind” (The Robbs), “Voices Green And Purple” (The Bees), “You Must Be A Witch” (The Lollipop Shoppe), “Don’t Do It Some More” (The Cindermen), “Midnight To Six” (The Jagged Edge) e literalmente centenas de outras.

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