quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A GÊNESE DO ROCK DE GARAGEM NOS ANOS 1960


Acenda as luzes. De repente, você verá uma cena iluminada que representa o momento da concepção do rock’n’roll. A sala mostra um amplificador ou dois. Eles não são muito grandes; Um deles, de fato, está acomodado sobre a capa de uma guitarra com a palavra ‘Silvertone’ gravada em relevo na sua dianteira. Um kit de bateria novo em folha encontra-se encostado em um canto, capturando e refletindo a luz em uma miríade vermelha cintilante de pequenas estrelas. Um sax e um microfone ‘emprestados’ da banda marcial da escola jazem no chão do recinto.

Aquele aposento deveria ter sido um porão ou uma sala social vazia ou um pátio ou qualquer coisa desse tipo. Nos Estados Unidos dos anos 1960 essa era uma garagem, o carro cuidadosamente estacionado na rua por um garoto muito jovem para ter a sua licença de motorista, antiguidades da família empilhadas num canto, tudo para fazer desse recinto algo que deveria ser apenas outro passatempo de adolescente, como colecionar placas de trânsito. A locação implicava muitas coisas: uma cultura rica o suficiente para sustentar o que uma garagem supostamente comporta, uma incansável classe de adolescentes com abundância de tempo ocioso e uma inspiração musical que fez do ato de contar o tempo musical uma atitude de autoafirmação e a primeira tentativa de dar os primeiros passos em direção a uma identidade artística.

Nos primeiros anos da década, o rock tinha evoluído o suficiente a ponto de até mesmo uma fileira de músicos amadores se sentirem confiantes de tentar conseguir um lugar ao sol. A explosão do rockabilly com base de country tinha colocado uma guitarra em cada mão, enquanto que os grupos vocais centrados no R&B ecoavam suas vozes harmonizando nas esquinas urbanas através de todo o país. Mas a maioria das bandas desse tempo permaneceu pesadamente na música instrumental, enquanto os cantores – com exceção de alguns poucos músicos com múltiplos talentos – estavam contentes em apenas cantar e posar para as fotos. Isso levou a Invasão Britânica de 1964 liderada pelos Beatles a providenciar um novo modelo para as bandas norteamericanas.

O som de uma típica banda de garagem era ramificado mais em atitude do que em qualquer forma musical específica. Seus praticantes alegremente piratearam e se apropriaram de estilos de rock à vontade, misturando blues, folk e surf music com a sua interpretação do Merseybeat, aprendendo a segurar e a tocar os seus instrumentos como os integrantes dos Ventures e a se vestirem do mesmo modo que os Rolling Stones. A única coisa que os mantinha unidos era uma inconfundível centelha de vida; a jovialidade que nascia do fato de ascender um estágio, percebendo o seu poder e possibilidades conforme a fantasia se movia inexoravelmente em direção à realidade.

Esse triunfo da substância sobre o estilo, entretanto, não deveria obscurecer certas similaridades musicais que faziam as bandas de garagem dos anos 1960 serem reconhecidas instantaneamente, até mesmo nos dias de hoje. Invenções como o órgão portátil das marcas Vox e Farfisa, caixas de distorção para guitarra como a Fuzz Tone e a ampla aceitação do contrabaixo elétrico constituíram os tijolos fundamentais que edificaram esse tipo de sonoridade. Embora esses avanços tenham se tornado a norma e, logo depois, tenham se tornado obsoletos, ainda havia espaço para tolas experimentações com esses novos brinquedinhos. As melhores bandas de garagem não apenas surpreendiam o seu público; eles mesmo se surpreendiam e, talvez, resida aí o segredo da força de sua música.

Como já era de se esperar, o fenômeno era geralmente restrito a áreas locais; apenas as mais sofisticadas combinações teriam a chance de brilhar para além das fronteiras de seus estados de origem. As “maravilhas de um sucesso só” (“one hit wonders”) se tornaram a regra ao invés de se tornarem a exceção e, exceto por ocasionais turnês, a maioria dessas bandas raramente viajava. Ainda em suas regiões de origem, nomes como The Rationals (Michigan), The North Atlantic Invasion Force (Connecticut), Kenny & The Kasuals (Texas), The Yellow Payges (região Sul da California), Richard & The Young Lions (Nova Jersey) e centenas de outras eram forças reconhecidas, sendo que o seu maior impacto vinha não do seu próprio sucesso, mas da imagem com que eles se apresentavam ao público, com seus músicos novatos. Aquele era um tipo de rock’n’roll que poderia ser alcançado e tocado, tão excitante quanto uma agitada noite dançante de sábado e tão familiar quanto algo de nossa própria casa.

Muitos foram chamados, mas poucos foram os escolhidos. Se tivéssemos que escolher uma canção e uma banda que ascendeu e caiu para tipificar a transitoriedade do som garageiro, o consenso geral apontaria em direção a “96 Tears”, clássico de uma banda apropriadamente denominada de ? & The Mysteryans. Com o seu peculiar som de órgão e letra cantada em fonemas rosnados, “96 Tears” é o rock em sua forma seminal.

O nome verdadeiro de ? era Rudy Martinez e, ao lado dos outros Mysteryans – Robert Balderrama na guitarra, Frank Lugo no baixo, Frank Rodriguez nos teclados e o baterista Edward Serrato – ele migrou do Texas para a área de Saginaw Valley, em Michigan. Essa mistura intercultural começou a colher seus frutos no outono de 1966, quando “96 Tears”, single prensado pelo pequeno selo Pa-Go-Go, no Texas, começou a ser insistentemente pedido nas estações de rádio de Flint, em Michigan (cidade natal de Terry Knight & The Pack, a banda que viria a ser o embrião da Grand Funk Railroad). A canção foi comprada por uma grande gravadora (Cameo) e rapidamente se tornou a número 1 das paradas norteamericanas. Exceto por poucos singles seguintes de vida curta como “I Need Somebody” e “Can’t Get Enough Of You, Baby”, nunca mais se ouviu falar do grupo novamente.

Mas isso não era motivo para lamentações na verdadeira loteria que era a rotatividade das bandas de garagem pelas paradas de sucesso. Para cada grupo que tinha o seu fugaz momento de glória, havia outro para imediatamente tomar o seu lugar. No fim das contas, o sucesso dos Mysteryans não foi tão baseado na sua singularidade ou na sua universalidade; sua música era tão básica que não apenas proporcionava um disposto convite para qualquer jovem sonhador tocá-la imediatamente, mas também enviava a seguinte mensagem aos seus ouvintes: “Se nós podemos fazer isso, você também pode!”.

Nas imediações de Michigan, o sucesso alcançado por ? & The Mysteryans resultou em uma das melhores cenas locais dos anos 1960 norteamericanos. Mitch Ryder também chegou detonando direto de Detroit em 1965 com as suas canções no estilo R&B como “Jenny Take A Ride” e, impulsionados por uma corrente de clubes noturnos adolescentes tais como o Hideout e o Hullabaloo, nomes como Suzi Quatro (que tocou em uma banda chamada The Pleasure Seekers), Bob Seger (cuja banda System teve sucessos como “Heavy Music” e “East Side Story” bem antes de ele ter se tornado um superstar na década de 1970), Dick Wagner & The Frost, SRC, The Rationals, The Henchmen e The Underdogs começaram a ser aclamados. Entretanto, a área de Michigan (e Detroit) não estava no topo, até ocorrer o massacre musical do final dos anos 1960, liderado por MC5 e Stooges, dois grupos cuja influência seria sentida na década seguinte. Todo o Meio-Oeste dos Estados Unidos era uma cornucópia de rock, com cidades como Cleveland contribuindo com The Choir (“It’s Cold Outside”) e Cyrus Erie, bem como um programa de televisão transmitido nacionalmente chamado “Upbeat”, a área de Minneapolis/St. Paul providenciando “roqueiros colegiais bem feitinhos” como The Castaways (“Liar Liar”) e The Gestures (“Run Run Run”). Até mesmo o Canadá foi contagiado por essa febre com Luke & The Apostles (de Toronto) e The Ugly Ducklings, ambos experimentando um certo sucesso.

A florescente cena blues de Chicago ganhou boa publicidade quando a banda The Shadows Of Knight foi alçada às paradas nacionais com uma versão da canção “Gloria”, de Van Morrison, um verdadeiro hino arquetípico dos Anos 1960. Jim Sohns (vocal e tamborim), Joseph Kelley (guitarra base), Jerry McGeorge (guitarra rítmica), Warren Rogers (baixo) e Tom Schiffour (bateria) saíram dos subúrbios do Noroeste de Chicago para o estrelato no Cellar de Arlington Heights, em Illinois. Eles empregavam uma surpreendente veracidade às suas interpretações de standards do blues como “I Just Want To Make Love To You” e “Boom Boom”, embora eles tenham se inspirado mais nas versões britânicas dos Stones e dos Animals do que propriamente nos originais. Outras bandas como The Mauds (que possuía a sua própria seção de metais) ou os mais pop The Buckinghams e Cryan’ Shames aderiam a aspectos mais ortodoxos da herança musical de Chicago.

O rock de garagem do Meio-Oeste norteamericano tinha uma espontânea qualidade que acabava se perdendo em um centro de negócios mais sofisticado como Los Angeles. De fato, o contrário também era verdade, se fossemos pensar nos Seeds, por exemplo. Liderados pelo inimitável Sky Saxon, eles se tornaram uma banda “flower power” por um desígnio calculado, embora isso dificilmente tenha interferido na tenaz unidimensionalidade do seu som. “Pushin’ Too Hard” foi o maior sucesso da banda, e eles se mantiveram produzindo esse tipo de sonoridade durante o curso de cinco álbuns, sonoridade que acabou se tornando standard para Sky Saxon quando este mudou o seu nome para Sunlight e passou a ser um lavador de pratos em um restaurante de alimentos saudáveis em Sunset Strip.

Com estúdios de gravação melhor equipados e um senso de estrutura pop mais padronizado, muitas bandas de Los Angeles quebraram o primitivismo que até ali havia guiado muitos grupos locais. Uma gravação como “Talk Talk” (Music Machine) ou “Hey Joe” (The Leaves) ou até mesmo a música dos Byrds dos primeiros tempos, dos Doors e do Love mostravam uma clarividência conceitual que tornou fácil a transição para o sucesso de nível nacional. O rei dos sons de garagem de Los Angeles era o produtor Ed Cobb, ex-membro dos Four Preps, que conduziu as carreiras dos Standells (“Dirty Water”) e da Chocolate Watchband (“Riot On Sunset Strip”) com um aguçado olhar sobre tendências pop e rebeldia adolescente.

Na área da Baía de San Francisco, no Norte da California, a ênfase era tanto nas harmonias folk com influência de Beatles quanto nas guitarras saturadas de fuzz. A primeira tendência era bem representada por bandas como os Beau Brummels, cujos hits de 1965 “Laugh Laugh” e “Just A Little” são trabalhos de composição maravilhosamente suaves na linha Merseybeat, descobertos pelo DJ Tom Donahue em seu pequeno selo Autumn e co-produzidos por Sylvester Stewart (mais tarde conhecido pela alcunha de Sly Stone). No outro extremo, bandas como The Syndicate Of Sound (“Hey Little Girl”) e The Count Five (“Psychotic Reaction” – um legítimo tributo aos Yardbirds) vieram de San Jose para pavimentar o caminho para os extraordinários sons do legendário Verão do Amor.

Ao lado de importantes bandas pioneiras como The Kingsmen e The Ventures, os freqüentemente esquecidos músicos do Paul Revere & The Raiders, originários de Oregon e responsáveis por sucessos como “Kicks” e “Just Like Me”, ajudaram a pavimentar o caminho para muitas bandas de garagem apresentando diariamente lições musicais no show televisivo vespertino do apresentador Dick Clark chamado Where The Action Is. Lar também de bandas como The Sonics (“The Witch”) e os Electric Prunes de Seattle (“I Had Too Much To Dream Last Night”), a região se segurou com o seu vibrante som da Costa Oeste.

O Sul encontrou mais dificuldade em estabelecer o seu som de garagem, talvez porque outras vertentes musicais eram mais fortes nessa região. O Texas tinha uma cena desenvolvida em padrões específicos, com bandas como o Sir Douglas Quintet, de Doug Sahm (banda que registrou um grande sucesso em 1965 com “She’s About A Mover”), The Moving Sidewalks (seu sucesso “99th Floor” apresentava o jovem Billy Gibbons que, mais tarde, seria um dos membros do ZZ Top), Mouse & The Traps (cujo hit “A Public Execution” é uma das melhores imitações de Bob Dylan já feitas), The Five Americans (“I See The Light”) e uma bizarra coleção de bandas centradas no selo International Artists, de Houston. Iluminados pelos “sons psicodélicos” dos Thirteenth Floor Elevators e seu massivo hit de 1966 “You’re Gonna Miss Me”, todas essas bandas acid-punk deveriam ser encaradas como o estágio secundário da evolução do rock de garagem, além da influência inglesa flutuando em suas atmosferas. Um bom exemplo de sua extraterrestrialidade poderia ser o álbum Parable Of Arable Land, da banda Red Crayola, que mesclava “bizarrices de forma livre” com canções.

A Costa Leste estava igualmente vibrando com a música jovem. Uma verdadeira megalópole do rock de garagem se estendeu desde Washington DC (The Hangmen), Filadélfia (o Nazz de Todd Rundgren, o Mandrake Memorial e Woody’s Truck Stop), atravessando por Nova Jérsei (com os Knickerbockers e os Critters), passando por Nova Iorque, cruzando Connecticut (The Original Sinners) e Rhode Island (Teddy & The Pandas), subindo até a extraoficial capital da Nova Inglaterra, Boston. Aí, bandas como The Remains galvanizaram platéias e até excursionaram com os Beatles, enquanto The Hallucinations coletaram os componentes baseados no blues para o que se tornaria a J. Geils Band. The Barbarians, por sua vez, faziam a pergunta musical “Are You A Boy Or Are You A Girl?”, colocando em perspectiva as implicações políticas de se ter cabelos longos. Seu melhor momento veio com uma canção intitulada “Moulty”, onde o baterista da banda contava a verdadeira história de como ele havia perdido a sua mão em uma explosão ocorrida em um racha de automóveis em uma autoestrada, e como o fato de tocar em uma banda havia lhe dado uma nova razão para viver: “Now all I need is a girl...”. E o que dizer de Squires, Floyd Dakil Combo, The Bedlam Four, The Clefs Of Lavender Hill, The Baloon Farm, The Lollipop Shoppe, The E-Types, The Stillroven, The Calico Wall, Thee Sixpence? As esperanças se fortaleciam com os quilômetros a serem percorridos ao longo da gloriosa estrada do rock, bandas que surpreendem até hoje pelo seu ímpeto.

Lá pelos meados dos Anos 1960, o mundo inteiro sucumbiu ao extraordinário impacto da Beatlemania. Se você tivesse o seu cabelo caprichosamente cortado em formato de cogumelo, falasse inglês com um leve sotaque cockney e estivesse tocando algum instrumento musical em alguma banda de rock, você teria uma chance absurdamente grande de se tornar um superastro. Isso era por volta de 1964 e 1965.

Quase do dia para a noite, em quase todas as cidades, os Estados Unidos responderam à Invasão Britânica. Centenas de adolescentes se “armaram” com guitarras e baterias, deixaram seus cabelos crescerem, e compraram roupas que emulavam a moda que estava em voga na Carnaby Street londrina – exceto pelo fato de que essas roupas eram adquiridas na loja mais próxima. Esses garotos contemplavam a fama, a fortuna, a diversão e as garotas que seus adversários britânicos conquistaram e eles também tinham vontade de pegar a sua fatia desse bolo.

Para a maioria, essa nova leva de bandas tocava rock de inspiração bluesística. É claro, eles nunca haviam ouvido os originais; eles aprenderam a lição conforme foi ensinada pelos novos mestres, tais como os Rolling Stones, os Pretty Things, os Animals etc. Willie Dixon? Muddy Waters? Ah, sim, esses caras escreviam canções para os Stones. A imagem era tudo e, embora esses garotos não fossem muito espertos, pelo menos eles sabiam que Muddy Waters não usava as botas dos Beatles e não tocava as guitarras Phantom da Vox.

Aprendendo blues através de músicos brancos ingleses e costumeiramente cantando com um sotaque inglês meio forçado, a coisa toda acabou se tornando um gênero dentro de si mesmo. Conforme o punk sessentista evoluía, as influências de R&B e do Merseybeat perdiam força e as bandas convergiam para diferentes tangentes tais como o folk-rock (The Leaves), punk de rua (The Standells), psicodelia (The Chocolate Watch Band) e pop (The Cryan’ Shames). O melhor de tudo era que, apesar dessas diferentes ramificações, as bandas continuavam com a sua crueza e ferocidade punk, simplesmente porque eles se mantiveram rebeldes do começo até o fim. É lamentável que muitos punks dos dias atuais se lembrem da música dos Anos 1960 como sendo apenas reflexo da Geração Hippie de Woodstock, porque as bandas punks sessentistas eram basicamente formadas por adolescentes cheios de frustrações e revoltados por causa das regras sob as quais eles eram obrigados a viver.

Havia muitos motivos para revolta. Os Estados Unidos eram muito conservadores e não encararam com bons olhos toda aquela rebelião jovem com adolescentes cabeludos usando roupas multicoloridas. Conforme a cena punk emergia dos subúrbios, ainda havia multidões de “greasers” remanescentes da década de 1950 prontos para se insurgir contra adolescentes com cortes de cabelo a la Beatles, todos doidos para cortar os cabelos da molecada. E, além disso, cada escola tinha as suas regras para as vestimentas dos alunos, o que significava que os rapazes tinham que andar sempre de cabelos cortados (os rapazes tinham que alisar seus cabelos para trás e depois penteá-los para a frente depois que saíam da escola), nada de jeans, nada de camisetas, nada de botas dos Beatles e para as garotas, nada de minissaias. O futuro se mostrava desolador, pois havia duas opções terríveis, ir para a escola ou ir para o Vietnã.

A música era uma boa maneira de disfarçar a frustração. Aquilo que havia começado como uma pura imitação de britânicos, rapidamente se tornou uma coisa única. Os punks das garagens produziam uma sonoridade cheia de tensão que poucos grupos britânicos produziam. Outros países, como o Canadá, a Austrália e até mesmo o Brasil (com bandas antológicas como Os Baobás e os Beatniks) também produziram cenas punks muito vibrantes, mas não havia comparação para aquilo que estava acontecendo nos Estados Unidos.

É claro que todos aqueles que estiveram envolvidos em toda essa excitante rebelião adolescente não tinham a menor idéia de que eles estavam criando o que acabaria sendo o mais vital e criativo tempo da história da música pop norteamericana. Mas, através dos únicos compactos simples de vinil, álbuns esparsos, publicidades em revistas destinadas a adolescentes e lembranças daqueles que viveram esse período, nós podemos juntar tudo isso e escrever essa história. Ao contrário de hoje, quando há um crítico em cada esquina, a metade dos Anos 1960 carecia de escritores que quisessem documentar o que estava acontecendo.

Em 1972, o músico e historiador Lenny Kaye (mais tarde integrante do grupo de Patti Smith) reuniu algumas gemas quase esquecidas de bandas punks norteamericanas da década anterior em um par de LPs. Essa coletânea seminal foi intitulada “Nuggets”, e a sua importância não pode ser mensurada. Nos comentários, ele batizou aquele gênero de “punk rock”. Aqui, pela primeira vez desde que a crítica de rock começou a extinguir a inocência do rock’n’roll, artistas como The Seeds, Shadows of Knight, Leaves, Mouse & The Traps e muitos outros começaram a receber o respeito que eles mereciam.

A coletânea Nuggets encontrou fãs de rock que estavam enjoados de suaves e sensíveis cantores-compositores e de pretensiosas bandas de rock progressivo. Esses fãs correram até a loja mais próxima para adquirirem aqueles selvagens sons sessentistas. E o que era mais impressionante nisso tudo é que Nuggets nos fez ver o quão pouco todos nós sabíamos a respeito do som punk dos Anos 1960. Depois de reconhecermos os óbvios, como “Dirty Water” (Standells), “Liar Liar” (The Castaways), “You’re Gonna Miss Me” (13th Floor Elevators) etc., fomos arremessados de frente a bandas praticamente obscuras que não chegaram a ver nem a sombra do sucesso, como The Del-Vetts, Chocolate Watch Band, The E-Types, The Mourning Reign e, literalmente, milhares de outras. Aquele foi, realmente, um verdadeiro trabalho de amor para os colecionadores sedentos do punk dos sixties. Nuggets abriu caminho para várias outras compilações que documentaram também o período mais excitante da música pop do século 20. Pebbles, Back From The Grave e tantas outras coletâneas vieram à luz e trouxeram ao alcance dos amantes do rock, verdadeiras preciosidades da década mais explosiva do século. A enxurrada de coletâneas tornou possível colecionar a música punk sessentista. Através do bom trabalho de selos como Voxx, A.I.P., Rhino, Edsel, Line, Satr-Rhythm, Bona-Fide e vários outros, parece que todas as gravações punks dos Anos 1960 terão uma reedição e voltarão a circular brevemente.

Talvez uma das razões por esse interesse pelo som punk original resida no fato de que ele se pareça bastante com o som punk atual. Musicalmente, grupos como RF 7, Circle Jerks, Black Flag e outros são extensões lógicas dos Sonics, dos Standells, dos Shadows Of Knight. Considerados desajustados por uma sociedade cruel, os punks atuais, como aqueles que vieram antes deles, fazem música para tentar ficar acima dos idiotas que tentam coloca-los para baixo. Conhecendo seus antecessores, os punks atuais, quem sabe, poderão aprender com os erros que acabaram matando os punks de garagem dos Anos 1960.

Embora os Anos 1960 pareçam bastante distantes hoje em dia, a sonoridade punk de garagem ainda soa fresca e excitante. A falta de comunicação entre as diferentes cidades dos Estados Unidos deixou a cena punk sessentista totalmente desorganizada, embora os registros musicais em vinil dessa época mostrem que cada pedaço do país contribuiu efetivamente para a revolução do punk garageiro. O jeito é fazer uma viagem no tempo e voltar para essa época.

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