quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A GÊNESE DO ROCK DE GARAGEM NOS ANOS 1960


Acenda as luzes. De repente, você verá uma cena iluminada que representa o momento da concepção do rock’n’roll. A sala mostra um amplificador ou dois. Eles não são muito grandes; Um deles, de fato, está acomodado sobre a capa de uma guitarra com a palavra ‘Silvertone’ gravada em relevo na sua dianteira. Um kit de bateria novo em folha encontra-se encostado em um canto, capturando e refletindo a luz em uma miríade vermelha cintilante de pequenas estrelas. Um sax e um microfone ‘emprestados’ da banda marcial da escola jazem no chão do recinto.

Aquele aposento deveria ter sido um porão ou uma sala social vazia ou um pátio ou qualquer coisa desse tipo. Nos Estados Unidos dos anos 1960 essa era uma garagem, o carro cuidadosamente estacionado na rua por um garoto muito jovem para ter a sua licença de motorista, antiguidades da família empilhadas num canto, tudo para fazer desse recinto algo que deveria ser apenas outro passatempo de adolescente, como colecionar placas de trânsito. A locação implicava muitas coisas: uma cultura rica o suficiente para sustentar o que uma garagem supostamente comporta, uma incansável classe de adolescentes com abundância de tempo ocioso e uma inspiração musical que fez do ato de contar o tempo musical uma atitude de autoafirmação e a primeira tentativa de dar os primeiros passos em direção a uma identidade artística.

Nos primeiros anos da década, o rock tinha evoluído o suficiente a ponto de até mesmo uma fileira de músicos amadores se sentirem confiantes de tentar conseguir um lugar ao sol. A explosão do rockabilly com base de country tinha colocado uma guitarra em cada mão, enquanto que os grupos vocais centrados no R&B ecoavam suas vozes harmonizando nas esquinas urbanas através de todo o país. Mas a maioria das bandas desse tempo permaneceu pesadamente na música instrumental, enquanto os cantores – com exceção de alguns poucos músicos com múltiplos talentos – estavam contentes em apenas cantar e posar para as fotos. Isso levou a Invasão Britânica de 1964 liderada pelos Beatles a providenciar um novo modelo para as bandas norteamericanas.

O som de uma típica banda de garagem era ramificado mais em atitude do que em qualquer forma musical específica. Seus praticantes alegremente piratearam e se apropriaram de estilos de rock à vontade, misturando blues, folk e surf music com a sua interpretação do Merseybeat, aprendendo a segurar e a tocar os seus instrumentos como os integrantes dos Ventures e a se vestirem do mesmo modo que os Rolling Stones. A única coisa que os mantinha unidos era uma inconfundível centelha de vida; a jovialidade que nascia do fato de ascender um estágio, percebendo o seu poder e possibilidades conforme a fantasia se movia inexoravelmente em direção à realidade.

Esse triunfo da substância sobre o estilo, entretanto, não deveria obscurecer certas similaridades musicais que faziam as bandas de garagem dos anos 1960 serem reconhecidas instantaneamente, até mesmo nos dias de hoje. Invenções como o órgão portátil das marcas Vox e Farfisa, caixas de distorção para guitarra como a Fuzz Tone e a ampla aceitação do contrabaixo elétrico constituíram os tijolos fundamentais que edificaram esse tipo de sonoridade. Embora esses avanços tenham se tornado a norma e, logo depois, tenham se tornado obsoletos, ainda havia espaço para tolas experimentações com esses novos brinquedinhos. As melhores bandas de garagem não apenas surpreendiam o seu público; eles mesmo se surpreendiam e, talvez, resida aí o segredo da força de sua música.

Como já era de se esperar, o fenômeno era geralmente restrito a áreas locais; apenas as mais sofisticadas combinações teriam a chance de brilhar para além das fronteiras de seus estados de origem. As “maravilhas de um sucesso só” (“one hit wonders”) se tornaram a regra ao invés de se tornarem a exceção e, exceto por ocasionais turnês, a maioria dessas bandas raramente viajava. Ainda em suas regiões de origem, nomes como The Rationals (Michigan), The North Atlantic Invasion Force (Connecticut), Kenny & The Kasuals (Texas), The Yellow Payges (região Sul da California), Richard & The Young Lions (Nova Jersey) e centenas de outras eram forças reconhecidas, sendo que o seu maior impacto vinha não do seu próprio sucesso, mas da imagem com que eles se apresentavam ao público, com seus músicos novatos. Aquele era um tipo de rock’n’roll que poderia ser alcançado e tocado, tão excitante quanto uma agitada noite dançante de sábado e tão familiar quanto algo de nossa própria casa.

Muitos foram chamados, mas poucos foram os escolhidos. Se tivéssemos que escolher uma canção e uma banda que ascendeu e caiu para tipificar a transitoriedade do som garageiro, o consenso geral apontaria em direção a “96 Tears”, clássico de uma banda apropriadamente denominada de ? & The Mysteryans. Com o seu peculiar som de órgão e letra cantada em fonemas rosnados, “96 Tears” é o rock em sua forma seminal.

O nome verdadeiro de ? era Rudy Martinez e, ao lado dos outros Mysteryans – Robert Balderrama na guitarra, Frank Lugo no baixo, Frank Rodriguez nos teclados e o baterista Edward Serrato – ele migrou do Texas para a área de Saginaw Valley, em Michigan. Essa mistura intercultural começou a colher seus frutos no outono de 1966, quando “96 Tears”, single prensado pelo pequeno selo Pa-Go-Go, no Texas, começou a ser insistentemente pedido nas estações de rádio de Flint, em Michigan (cidade natal de Terry Knight & The Pack, a banda que viria a ser o embrião da Grand Funk Railroad). A canção foi comprada por uma grande gravadora (Cameo) e rapidamente se tornou a número 1 das paradas norteamericanas. Exceto por poucos singles seguintes de vida curta como “I Need Somebody” e “Can’t Get Enough Of You, Baby”, nunca mais se ouviu falar do grupo novamente.

Mas isso não era motivo para lamentações na verdadeira loteria que era a rotatividade das bandas de garagem pelas paradas de sucesso. Para cada grupo que tinha o seu fugaz momento de glória, havia outro para imediatamente tomar o seu lugar. No fim das contas, o sucesso dos Mysteryans não foi tão baseado na sua singularidade ou na sua universalidade; sua música era tão básica que não apenas proporcionava um disposto convite para qualquer jovem sonhador tocá-la imediatamente, mas também enviava a seguinte mensagem aos seus ouvintes: “Se nós podemos fazer isso, você também pode!”.

Nas imediações de Michigan, o sucesso alcançado por ? & The Mysteryans resultou em uma das melhores cenas locais dos anos 1960 norteamericanos. Mitch Ryder também chegou detonando direto de Detroit em 1965 com as suas canções no estilo R&B como “Jenny Take A Ride” e, impulsionados por uma corrente de clubes noturnos adolescentes tais como o Hideout e o Hullabaloo, nomes como Suzi Quatro (que tocou em uma banda chamada The Pleasure Seekers), Bob Seger (cuja banda System teve sucessos como “Heavy Music” e “East Side Story” bem antes de ele ter se tornado um superstar na década de 1970), Dick Wagner & The Frost, SRC, The Rationals, The Henchmen e The Underdogs começaram a ser aclamados. Entretanto, a área de Michigan (e Detroit) não estava no topo, até ocorrer o massacre musical do final dos anos 1960, liderado por MC5 e Stooges, dois grupos cuja influência seria sentida na década seguinte. Todo o Meio-Oeste dos Estados Unidos era uma cornucópia de rock, com cidades como Cleveland contribuindo com The Choir (“It’s Cold Outside”) e Cyrus Erie, bem como um programa de televisão transmitido nacionalmente chamado “Upbeat”, a área de Minneapolis/St. Paul providenciando “roqueiros colegiais bem feitinhos” como The Castaways (“Liar Liar”) e The Gestures (“Run Run Run”). Até mesmo o Canadá foi contagiado por essa febre com Luke & The Apostles (de Toronto) e The Ugly Ducklings, ambos experimentando um certo sucesso.

A florescente cena blues de Chicago ganhou boa publicidade quando a banda The Shadows Of Knight foi alçada às paradas nacionais com uma versão da canção “Gloria”, de Van Morrison, um verdadeiro hino arquetípico dos Anos 1960. Jim Sohns (vocal e tamborim), Joseph Kelley (guitarra base), Jerry McGeorge (guitarra rítmica), Warren Rogers (baixo) e Tom Schiffour (bateria) saíram dos subúrbios do Noroeste de Chicago para o estrelato no Cellar de Arlington Heights, em Illinois. Eles empregavam uma surpreendente veracidade às suas interpretações de standards do blues como “I Just Want To Make Love To You” e “Boom Boom”, embora eles tenham se inspirado mais nas versões britânicas dos Stones e dos Animals do que propriamente nos originais. Outras bandas como The Mauds (que possuía a sua própria seção de metais) ou os mais pop The Buckinghams e Cryan’ Shames aderiam a aspectos mais ortodoxos da herança musical de Chicago.

O rock de garagem do Meio-Oeste norteamericano tinha uma espontânea qualidade que acabava se perdendo em um centro de negócios mais sofisticado como Los Angeles. De fato, o contrário também era verdade, se fossemos pensar nos Seeds, por exemplo. Liderados pelo inimitável Sky Saxon, eles se tornaram uma banda “flower power” por um desígnio calculado, embora isso dificilmente tenha interferido na tenaz unidimensionalidade do seu som. “Pushin’ Too Hard” foi o maior sucesso da banda, e eles se mantiveram produzindo esse tipo de sonoridade durante o curso de cinco álbuns, sonoridade que acabou se tornando standard para Sky Saxon quando este mudou o seu nome para Sunlight e passou a ser um lavador de pratos em um restaurante de alimentos saudáveis em Sunset Strip.

Com estúdios de gravação melhor equipados e um senso de estrutura pop mais padronizado, muitas bandas de Los Angeles quebraram o primitivismo que até ali havia guiado muitos grupos locais. Uma gravação como “Talk Talk” (Music Machine) ou “Hey Joe” (The Leaves) ou até mesmo a música dos Byrds dos primeiros tempos, dos Doors e do Love mostravam uma clarividência conceitual que tornou fácil a transição para o sucesso de nível nacional. O rei dos sons de garagem de Los Angeles era o produtor Ed Cobb, ex-membro dos Four Preps, que conduziu as carreiras dos Standells (“Dirty Water”) e da Chocolate Watchband (“Riot On Sunset Strip”) com um aguçado olhar sobre tendências pop e rebeldia adolescente.

Na área da Baía de San Francisco, no Norte da California, a ênfase era tanto nas harmonias folk com influência de Beatles quanto nas guitarras saturadas de fuzz. A primeira tendência era bem representada por bandas como os Beau Brummels, cujos hits de 1965 “Laugh Laugh” e “Just A Little” são trabalhos de composição maravilhosamente suaves na linha Merseybeat, descobertos pelo DJ Tom Donahue em seu pequeno selo Autumn e co-produzidos por Sylvester Stewart (mais tarde conhecido pela alcunha de Sly Stone). No outro extremo, bandas como The Syndicate Of Sound (“Hey Little Girl”) e The Count Five (“Psychotic Reaction” – um legítimo tributo aos Yardbirds) vieram de San Jose para pavimentar o caminho para os extraordinários sons do legendário Verão do Amor.

Ao lado de importantes bandas pioneiras como The Kingsmen e The Ventures, os freqüentemente esquecidos músicos do Paul Revere & The Raiders, originários de Oregon e responsáveis por sucessos como “Kicks” e “Just Like Me”, ajudaram a pavimentar o caminho para muitas bandas de garagem apresentando diariamente lições musicais no show televisivo vespertino do apresentador Dick Clark chamado Where The Action Is. Lar também de bandas como The Sonics (“The Witch”) e os Electric Prunes de Seattle (“I Had Too Much To Dream Last Night”), a região se segurou com o seu vibrante som da Costa Oeste.

O Sul encontrou mais dificuldade em estabelecer o seu som de garagem, talvez porque outras vertentes musicais eram mais fortes nessa região. O Texas tinha uma cena desenvolvida em padrões específicos, com bandas como o Sir Douglas Quintet, de Doug Sahm (banda que registrou um grande sucesso em 1965 com “She’s About A Mover”), The Moving Sidewalks (seu sucesso “99th Floor” apresentava o jovem Billy Gibbons que, mais tarde, seria um dos membros do ZZ Top), Mouse & The Traps (cujo hit “A Public Execution” é uma das melhores imitações de Bob Dylan já feitas), The Five Americans (“I See The Light”) e uma bizarra coleção de bandas centradas no selo International Artists, de Houston. Iluminados pelos “sons psicodélicos” dos Thirteenth Floor Elevators e seu massivo hit de 1966 “You’re Gonna Miss Me”, todas essas bandas acid-punk deveriam ser encaradas como o estágio secundário da evolução do rock de garagem, além da influência inglesa flutuando em suas atmosferas. Um bom exemplo de sua extraterrestrialidade poderia ser o álbum Parable Of Arable Land, da banda Red Crayola, que mesclava “bizarrices de forma livre” com canções.

A Costa Leste estava igualmente vibrando com a música jovem. Uma verdadeira megalópole do rock de garagem se estendeu desde Washington DC (The Hangmen), Filadélfia (o Nazz de Todd Rundgren, o Mandrake Memorial e Woody’s Truck Stop), atravessando por Nova Jérsei (com os Knickerbockers e os Critters), passando por Nova Iorque, cruzando Connecticut (The Original Sinners) e Rhode Island (Teddy & The Pandas), subindo até a extraoficial capital da Nova Inglaterra, Boston. Aí, bandas como The Remains galvanizaram platéias e até excursionaram com os Beatles, enquanto The Hallucinations coletaram os componentes baseados no blues para o que se tornaria a J. Geils Band. The Barbarians, por sua vez, faziam a pergunta musical “Are You A Boy Or Are You A Girl?”, colocando em perspectiva as implicações políticas de se ter cabelos longos. Seu melhor momento veio com uma canção intitulada “Moulty”, onde o baterista da banda contava a verdadeira história de como ele havia perdido a sua mão em uma explosão ocorrida em um racha de automóveis em uma autoestrada, e como o fato de tocar em uma banda havia lhe dado uma nova razão para viver: “Now all I need is a girl...”. E o que dizer de Squires, Floyd Dakil Combo, The Bedlam Four, The Clefs Of Lavender Hill, The Baloon Farm, The Lollipop Shoppe, The E-Types, The Stillroven, The Calico Wall, Thee Sixpence? As esperanças se fortaleciam com os quilômetros a serem percorridos ao longo da gloriosa estrada do rock, bandas que surpreendem até hoje pelo seu ímpeto.

Lá pelos meados dos Anos 1960, o mundo inteiro sucumbiu ao extraordinário impacto da Beatlemania. Se você tivesse o seu cabelo caprichosamente cortado em formato de cogumelo, falasse inglês com um leve sotaque cockney e estivesse tocando algum instrumento musical em alguma banda de rock, você teria uma chance absurdamente grande de se tornar um superastro. Isso era por volta de 1964 e 1965.

Quase do dia para a noite, em quase todas as cidades, os Estados Unidos responderam à Invasão Britânica. Centenas de adolescentes se “armaram” com guitarras e baterias, deixaram seus cabelos crescerem, e compraram roupas que emulavam a moda que estava em voga na Carnaby Street londrina – exceto pelo fato de que essas roupas eram adquiridas na loja mais próxima. Esses garotos contemplavam a fama, a fortuna, a diversão e as garotas que seus adversários britânicos conquistaram e eles também tinham vontade de pegar a sua fatia desse bolo.

Para a maioria, essa nova leva de bandas tocava rock de inspiração bluesística. É claro, eles nunca haviam ouvido os originais; eles aprenderam a lição conforme foi ensinada pelos novos mestres, tais como os Rolling Stones, os Pretty Things, os Animals etc. Willie Dixon? Muddy Waters? Ah, sim, esses caras escreviam canções para os Stones. A imagem era tudo e, embora esses garotos não fossem muito espertos, pelo menos eles sabiam que Muddy Waters não usava as botas dos Beatles e não tocava as guitarras Phantom da Vox.

Aprendendo blues através de músicos brancos ingleses e costumeiramente cantando com um sotaque inglês meio forçado, a coisa toda acabou se tornando um gênero dentro de si mesmo. Conforme o punk sessentista evoluía, as influências de R&B e do Merseybeat perdiam força e as bandas convergiam para diferentes tangentes tais como o folk-rock (The Leaves), punk de rua (The Standells), psicodelia (The Chocolate Watch Band) e pop (The Cryan’ Shames). O melhor de tudo era que, apesar dessas diferentes ramificações, as bandas continuavam com a sua crueza e ferocidade punk, simplesmente porque eles se mantiveram rebeldes do começo até o fim. É lamentável que muitos punks dos dias atuais se lembrem da música dos Anos 1960 como sendo apenas reflexo da Geração Hippie de Woodstock, porque as bandas punks sessentistas eram basicamente formadas por adolescentes cheios de frustrações e revoltados por causa das regras sob as quais eles eram obrigados a viver.

Havia muitos motivos para revolta. Os Estados Unidos eram muito conservadores e não encararam com bons olhos toda aquela rebelião jovem com adolescentes cabeludos usando roupas multicoloridas. Conforme a cena punk emergia dos subúrbios, ainda havia multidões de “greasers” remanescentes da década de 1950 prontos para se insurgir contra adolescentes com cortes de cabelo a la Beatles, todos doidos para cortar os cabelos da molecada. E, além disso, cada escola tinha as suas regras para as vestimentas dos alunos, o que significava que os rapazes tinham que andar sempre de cabelos cortados (os rapazes tinham que alisar seus cabelos para trás e depois penteá-los para a frente depois que saíam da escola), nada de jeans, nada de camisetas, nada de botas dos Beatles e para as garotas, nada de minissaias. O futuro se mostrava desolador, pois havia duas opções terríveis, ir para a escola ou ir para o Vietnã.

A música era uma boa maneira de disfarçar a frustração. Aquilo que havia começado como uma pura imitação de britânicos, rapidamente se tornou uma coisa única. Os punks das garagens produziam uma sonoridade cheia de tensão que poucos grupos britânicos produziam. Outros países, como o Canadá, a Austrália e até mesmo o Brasil (com bandas antológicas como Os Baobás e os Beatniks) também produziram cenas punks muito vibrantes, mas não havia comparação para aquilo que estava acontecendo nos Estados Unidos.

É claro que todos aqueles que estiveram envolvidos em toda essa excitante rebelião adolescente não tinham a menor idéia de que eles estavam criando o que acabaria sendo o mais vital e criativo tempo da história da música pop norteamericana. Mas, através dos únicos compactos simples de vinil, álbuns esparsos, publicidades em revistas destinadas a adolescentes e lembranças daqueles que viveram esse período, nós podemos juntar tudo isso e escrever essa história. Ao contrário de hoje, quando há um crítico em cada esquina, a metade dos Anos 1960 carecia de escritores que quisessem documentar o que estava acontecendo.

Em 1972, o músico e historiador Lenny Kaye (mais tarde integrante do grupo de Patti Smith) reuniu algumas gemas quase esquecidas de bandas punks norteamericanas da década anterior em um par de LPs. Essa coletânea seminal foi intitulada “Nuggets”, e a sua importância não pode ser mensurada. Nos comentários, ele batizou aquele gênero de “punk rock”. Aqui, pela primeira vez desde que a crítica de rock começou a extinguir a inocência do rock’n’roll, artistas como The Seeds, Shadows of Knight, Leaves, Mouse & The Traps e muitos outros começaram a receber o respeito que eles mereciam.

A coletânea Nuggets encontrou fãs de rock que estavam enjoados de suaves e sensíveis cantores-compositores e de pretensiosas bandas de rock progressivo. Esses fãs correram até a loja mais próxima para adquirirem aqueles selvagens sons sessentistas. E o que era mais impressionante nisso tudo é que Nuggets nos fez ver o quão pouco todos nós sabíamos a respeito do som punk dos Anos 1960. Depois de reconhecermos os óbvios, como “Dirty Water” (Standells), “Liar Liar” (The Castaways), “You’re Gonna Miss Me” (13th Floor Elevators) etc., fomos arremessados de frente a bandas praticamente obscuras que não chegaram a ver nem a sombra do sucesso, como The Del-Vetts, Chocolate Watch Band, The E-Types, The Mourning Reign e, literalmente, milhares de outras. Aquele foi, realmente, um verdadeiro trabalho de amor para os colecionadores sedentos do punk dos sixties. Nuggets abriu caminho para várias outras compilações que documentaram também o período mais excitante da música pop do século 20. Pebbles, Back From The Grave e tantas outras coletâneas vieram à luz e trouxeram ao alcance dos amantes do rock, verdadeiras preciosidades da década mais explosiva do século. A enxurrada de coletâneas tornou possível colecionar a música punk sessentista. Através do bom trabalho de selos como Voxx, A.I.P., Rhino, Edsel, Line, Satr-Rhythm, Bona-Fide e vários outros, parece que todas as gravações punks dos Anos 1960 terão uma reedição e voltarão a circular brevemente.

Talvez uma das razões por esse interesse pelo som punk original resida no fato de que ele se pareça bastante com o som punk atual. Musicalmente, grupos como RF 7, Circle Jerks, Black Flag e outros são extensões lógicas dos Sonics, dos Standells, dos Shadows Of Knight. Considerados desajustados por uma sociedade cruel, os punks atuais, como aqueles que vieram antes deles, fazem música para tentar ficar acima dos idiotas que tentam coloca-los para baixo. Conhecendo seus antecessores, os punks atuais, quem sabe, poderão aprender com os erros que acabaram matando os punks de garagem dos Anos 1960.

Embora os Anos 1960 pareçam bastante distantes hoje em dia, a sonoridade punk de garagem ainda soa fresca e excitante. A falta de comunicação entre as diferentes cidades dos Estados Unidos deixou a cena punk sessentista totalmente desorganizada, embora os registros musicais em vinil dessa época mostrem que cada pedaço do país contribuiu efetivamente para a revolução do punk garageiro. O jeito é fazer uma viagem no tempo e voltar para essa época.

A HISTÓRIA CONDENSADA DO PUNK SESSENTISTA


Quem inaugurou o Movimento Punk? Não se sabe se há uma resposta para essa inquietante questão. Um grupo como os Wailers já vinha alcançando um certo sucesso em 1959, e os Standells já estavam por perto, fazendo gravações, já no começo dos Anos 1960. Provavelmente o maior punk de todos os tempos seja Jerry Lee Lewis, que, até hoje, continua sendo um dos mais celebrados “bad boys” do rock and roll. Ainda que essas primeiras manifestações não constituíssem parte de uma cena consistente, elas simplesmente provam que um roqueiro de verdade é, no fundo da alma, um punk. O cenário punk em si não tomaria forma até que os Beatles, os Stones, os Animals, os Kinks e milhões de outros invadissem as praias estadunidenses. Depois da Invasão Britânica, cada cidade possuía dúzias de bandas de garagem. Havia cidades com apenas alguns poucos milhares de habitantes, mas que, mesmo assim, tinham pelo menos umas cinco ou seis bandas formadas por adolescentes explodindo de hormônios. Era assim em todos os lugares.

O punk de garagem norteamericano sobreviveu durante vários anos, mas o seu principal período de sucesso pode ser considerado o ano de 1966. Gravações rústicas encontravam abrigo em incontáveis estações de rádio e um grande número de singles lançados em compactos simples de 7 polegadas entravam para o Top Ten dos Estados Unidos. Era uma experiência emocionante ligar o rádio (apenas estações AM) e ouvir “Wooly Bully” (Sam ‘The Sham’ & The Pharaohs), “Dirty Water” (The Standells) ou “We Ain’t Got Nothin’ Yet” (Blues Magoos). O mercado musical jovem era efervescente e as estações de rádio, ao contrário do que acontece hoje em dia, conheciam os seus ouvintes e rapidamente capitalizaram em cima da onda.

Embora 1966 tenha sido um ano estelar, o punk de garagem estava destinado a ser destruído. E não foi apenas um único fator que o matou, mas um conjunto de fatores. Como era de se esperar, as grandes gravadoras ajudaram a ruir com a edificação do rock de garagem. Essas grandes corporações assinaram contratos com bandas que, antes, eram cruas e rústicas, mas, sob os auspícios dos magnatas da indústria, foram obrigadas a gravar baladas suaves, colocar seções de cordas em suas gravações, e, em muitos casos, eram convencidas a se retirar dos locais de gravação para que músicos de estúdio gravassem as partes instrumentais, deixando para os caras das bandas apenas o trabalho de colocar a voz sobre as bases pré-gravadas. Poucos grupos, como o American Breed, alcançavam o sucesso, mas aquela sonoridade punk já não era reproduzida da mesma forma. É bem triste saber como algumas bandas maravilhosas encerraram atividades.

Outra coisa que antecipou o fim dessas bandas foi o fenômeno da crítica musical de orientação roqueira. Jornalistas como os das revistas Crawdaddy e especialmente Rolling Stone classificavam o punk de garagem como uma praga. “Os músicos do Jefferson Airplane eram artistas sérios, mas os Electric Prunes eram uma brincadeira de mau gosto. Portanto, esses últimos jamais teriam espaço em nossas páginas”. Esse tipo de lógica fedia. Essas duas revistas foram a espinha dorsal do Movimento Hippie que estava se espalhando através de todo o país e a ascensão desse movimento deixou para trás os grupos punks que não conseguiram se adaptar à nova tendência e os grupos punks que até tentaram mudar mas soaram tão estúpidos que isso acabou ferindo sua própria causa. Todos estavam tão ávidos por conseguirem mais espaço nas paradas de sucesso que nunca passou pelas suas cabeças que eles poderiam continuar sobrevivendo através do culto que os seus seguidores promoviam. O último prego fincado no caixão do punk de garagem foi a falência das boas estações de rádio AM de rock and roll. As estações FM estavam começando a ditar as regras e o formato AM não mais se tornaria tão comum. Havia espaço suficiente para as grandes gravadoras continuarem a lançar seus sucessos, mas os pequenos selos independentes (os verdadeiros responsáveis pelo lançamento e popularização das bandas punks de garagem) foram todos à falência. Foi bom enquanto durou.

GRAVADORAS INDEPENDENTES


Justamente como acontece hoje em dia, as grandes gravadoras eram cautelosas ao darem chances de gravação para muitos artistas iniciantes nos Anos 1960. Por isso, ficou a cargo das corajosas gravadoras independentes a tarefa de lançar as sementes fonográficas do punk de garagem sessentista. Pequenos empresários, procurando pelos seus próprios “Beatles”, assinaram contratos e gravaram com bandas que acabaram se revelando verdadeiras minas de ouro, ao passo em que alcançavam facilmente o sucesso regional. Um exemplo disso é que, nos últimos meses de 1966, na cidade de Cleveland, uma banda chamada The Choir ultrapassou os Beatles nas paradas de sucesso com o delicioso Merseybeat “It’s Cold Outside”. Ou seja, não foi um sucesso nacional, mas foi um grande sucesso localizado em uma determinada cidade. E foi assim em todo o país. Mesmo que a gravação não alcançasse o tão sonhado sucesso de nível nacional, a repercussão regional já era suficiente para garantir o lucro dos pequenos selos que, com isso, se multiplicavam. Alguns poucos selos independentes, como o Original Sound (com a Music Machine), o GNP Crescendo (com os Seeds), o Dunwich (com os Shadows of Knight) e o Cameo Parkway (com ? & The Mysteryans) foram razoavelmente sortudos em alcançar as paradas nacionais de sucesso.

As gravadoras independentes dos Anos 1960 enfrentavam os mesmos problemas que suas similares enfrentam hoje. Os pagamentos dos distribuidores regionais eram sempre atrasados e, na maioria dos casos, elas se sentiam com sorte de receber algum dinheiro. Uma pequena gravadora poderia ter uma gravação que faria um grande sucesso e não receber dinheiro algum por isso. Com um orçamento limitadíssimo, os problemas cresciam. Se uma banda já encontrava problemas em promover a sua canção candidata ao sucesso, imagine se não encontraria problemas em promover a carreira toda por essa eventual gravadora com pouco dinheiro em caixa. A conseqüência disso é que os Anos 1960 é repleto de bandas que emplacavam um grande sucesso e, tão rápido quanto surgiam, desapareciam de cena.

Mas, embora as gravadoras independentes tenham sido o pilar fundador do punk de garagem, as grandes gravadoras também contribuíram enormemente. Havia uma plenitude de refinados sucessos. Por exemplo, Paul Revere & The Raiders emplacaram uma fileira de clássicos como “Steppin’ Out”, “Just Like Me”, “Hungry” e “Kicks” antes da gravadora Columbia transforma-los em marionetes e fazer de Mark Lindsay um ídolo adolescente ao invés de um ídolo punk. A gravadora Mercury tinha os fantásticos Blues Magoos, cuja visão do punk psicodélico só está começando a ser reconhecida recentemente por historiadores e aficionados como uma das mais refinadas daquele período.

Ainda assim, as majors eram costumeiramente tapadas. Os Remains saíram em turnê com os Beatles, e, em várias ocasiões, as suas apresentações superavam em energia e magnetismo as próprias apresentações dos quatro rapazes de Liverpool. Mesmo com isso, a gravadora Capitol não lançou o álbum de Barry Trashian e seus parceiros a tempo de capitalizar em cima dessa publicidade. Outra escorregada da Capitol: Faturando alto com a trinca Beatles/Beach Boys/Peter & Gordon, os executivos dessa gravadora relegaram a banda The Lost (originária de Boston, como os Remains) ao segundo plano. A Capitol lançou apenas dois singles dessa banda e deixou-os de lado. Há rumores de que há um álbum do The Lost gravado nessa época e engavetado até hoje, apenas esperando por uma edição digital. Entusiastas do punk rock sessentista esperam ansiosos por esse lançamento.

Há uma infinidade de outras histórias. Nada mudou, à medida que as gravadoras independentes trabalham duro para construir um artista apenas para vê-los devorados pelo monstro corporativo, que os faz rastejar para terem algum espaço.

MÍDIA

Antes da Rolling Stone e da Crawdaddy, não havia aquilo que podemos classificar como publicação direcionada ao rock. A única exposição em nível nacional que um artista poderia ambicionar era aparecer em revistas de orientação adolescente geralmente consumidas por garotinhas. Raramente poderia se falar sobre influências musicais, equipamentos, técnicas de gravação e coisas desse tipo. Ao invés disso, poderíamos aprender coisas como a cor favorita de Ronnie Magoo ou de como Jim Sohns gostava de se portar em um encontro. Até que são coisas simpáticas, mas esses caras não eram os tolinhos que essas revistas queriam fazer com que eles se parecessem.

Mas até que isso não era tão mau assim. Ainda havia um par de explosivas publicações locais. O The Beat, da KRLA, era o melhor lugar para se ler algo sobre a cena punk de Los Angeles. A estação logo publicaria edições em outras cidades. A lista musical de “sucessos” podia não ser a mais acurada – com incontáveis gravações punks entrando para o Top 40, mas isso era decididamente divertido, aí é que estava a graça do negócio. Se a The Beat falhava no quesito força crítica, pelo menos capturou o espírito da época de forma divertida. Em Boston, havia a New England Teen Scene, uma publicação que trazia grandes entrevistas pouco conhecidas como as que foram feitas com The Rockin’ Ramrods, The Lost, Flat Earth Society, e The Ones. A empresa de equipamentos Vox publicava um jornal/catálogo que não apenas promovia os seus instrumentos como também os grupos que os usava. Poderia não ser muita coisa, mas, tendo em conta de que todos, desde Beatles/Rolling Stones até Chocolate Watch Band/Seeds usavam instrumentos da marca Vox, havia, sim, muitas histórias interessantes para serem lidas.

A Hit Parader era a melhor revista de nível nacional dedicada ao punk de garagem, mas até mesmo essa publicação não entendia muito bem o que estava acontecendo. Seus corações e suas mentes estavam mais centrados na cena R&B inglesa e no folk-rock norteamericano (eles adoravam o Lovin’ Spoonful e a Jim Kweskin Jug Band). Uma banda que eles apoiavam era os Blues Magoos, mas eles desprezavam ? & The Mysteryans e The Count Five. Apesar disso, a Hit Parader foi uma grande publicação dos Anos 1960.

O rádio era realmente muito legal. As estações não estavam programadas para agir dentro de certas regras nebulosas, como aconteceria mais tarde. Os DJs, nessa época, eram livres para tocar o tipo de música no qual eles realmente acreditavam, sem coerção financeira nem imposições de gravadoras. Isso resultou em incontáveis sucessos regionais dos quais ninguém havia ouvido falar antes. Por exemplo, um sucesso como “Open Up Your Door”, da banda Richard & The Young Lions, poderia estar recebendo uma massiva execução radiofônica na região de North Jersey/Nova Iorque, mas poderia não ter tocado nenhuma vez nas rádios de uma região como a de Philly, por exemplo. Os DJs pareciam saber muito bem o que estavam fazendo, pareciam conhecer muito sobre o tipo de música que eles estavam tocando, o que tornava as coisas bem melhores. Encorajadas pelo sucesso regional, as estações de rádio AM eram os motivos primordiais pelo que podemos classificar como o período mais criativo do rock estadunidense. Quando a cena punk perdeu esse apoio, então tudo acabou, aquilo tudo encontrou o seu fim.

Mas a televisão também foi muito importante para o rock de garagem. Muito antes de qualquer pessoa sequer pensar em algo semelhante à MTV, os punks já haviam encontrado exposição nacional na telinha. Poucos dos punks pioneiros apareceram no Shindig e no Hullaballoo (dois programas que a MTV deveria ter a decência de reprisar). Depois disso, o apresentador Dick Clark tinha os seus dois campeões de audiência, American Bandstand (para os sucessos massivos de nível nacional) e o antológico Where The Action Is (que contava com Paul Revere & The Raiders como banda residente). Este último trazia inesquecíveis performances dos melhores roqueiros dos Anos 1960 – punks, bandas britânicas, folk-rock, soul etc. Era um programa verdadeiramente extraordinário. Mais tarde, Dick Clark daria a Paul Revere & The Raiders um programa de TV exclusivo, o Happening ’68, mas, apesar de algumas performances brilhantes e da transmissão de algumas “Battle Of The Bands”, o tempo foi passando e o programa foi aos poucos saindo do ar. Dick Clark possui a íntegra de todos os episódios de todos esses programas e já foi sondado para torna-los acessíveis via TV a cabo, VHS ou DVD. É um crime que todo esse acervo esteja encostado em alguma prateleira empoeirada.

Havia também um programa de TV baseado em Cleveland chamado Upbeat. Esse programa era um sonho dos entusiastas do rock de garagem que se tornava realidade, pois todas as melhores bandas se apresentaram aí. Muitos se lembram de apresentações de Shadows Of Knight, Magicians e The Choir. O programa era apresentado por Don Webster e não só os saudosistas adorariam rever tal programa.

Todas as cidades tinham os seus programas musicais televisivos locais, que, usualmente, apresentavam grandes nomes do cenário artístico nacional, assim como sucessos regionais. Alguns como Lloyd Thaxton’s, Jerry Blavat’s, Hy Hit’s e Clay Cole’s tiveram breve ligação com o sindicato.

Os filmes também usavam as bandas de garagem nas cenas de festa. Algumas das muitas bandas que podem ser vistas durante apresentações noturnas praianas são The Leaves, Beau Brummels, Standells, Seeds, Chocolate Watch Band, Barbarians etc. Imperdível também é o legendário filme Riot On Sunset Strip, que era baseado no Movimento Punk de Sunset Strip. The T.A.M.I. Show Movie (Teen Age Music Incorporated) também é outro grande filme.

O CENÁRIO DAS TURNÊS E DOS CLUBES

Este foi particularmente um estágio seminal do rock. Portanto, não se encontra bem organizado. Muitos grupos tinham seus singles nas paradas, ainda que continuassem fazendo apresentações em ginásios de escolas secundárias e em feiras no interior do país. Outros abriam as apresentações de bandas mais conhecidas e de maior sucesso. Quando grupos como os Byrds, os Stones ou Paul Revere & The Raiders saíam em turnês, eles usavam grupos punks locais como The Lost, Zakary Thaks ou The Remains para abrirem seus shows. Dick Clark tinha as suas turnês intituladas “Caravana das Estrelas”, que apresentava grandes bandas punks como Don & The Goodtimes, The Robbs, The Hardtimes e os próprios Raiders.

Havia clubes para adolescentes, bem como casas noturnas para o pessoal mais velho. Conforme cada banda consagrada tocava em lugares como o Whiskey A Go Go, o Cyro’s (lar dos Byrds e dos Leaves) e It’s Boss, podiam ver por que Los Angeles apresentava uma cena tão ativa. Boston tinha o Tea Party e The Rat e Nova Iorque tinha o Cafe Au Go Go e o The Night Owl. Cada cidade parecia possuir pelo menos um clube de renome para apresentar shows de grandes bandas (e outras nem tão grandes assim).

Para as bandas que não conseguiam alcançar as paradas nacionais de sucesso ou mesmo as regionais, havia as competições denominadas de “Batalhas das Bandas”. Aí, os grupos formados por jovens competiam entre si para ver quem possuía uma apresentação que empolgava mais o público. O prêmio era normalmente a assinatura de um contrato com alguma gravadora independente. Adolescentes se acotovelavam em recintos apertados para ver uma dúzia ou mais de bandas que aspiravam ser os novos Rolling Stones do pedaço. Muitas dessas apresentações foram gravadas e essas gravações acabaram inevitavelmente se tornando alguns dos mais procurados itens de colecionador de artefatos garageiros dos sixties. Quem ouve essas gravações certamente concorda que a maioria dessas bandas era bem ruim. Ainda assim, pode-se perceber um vívido entusiasmo em sua música. E isso era muito importante para esses jovens. Por um dia ou dois, esses garotos poderiam sonhar que eram astros do rock, o que era um grande jeito de escapar da dura realidade de tarefas e provas escolares nas salas de aula.

MODA

A moda era tão importante quanto a música no contexto da psicodelia sessentista. Para garotos, isso significava deixar o cabelo crescer no estilo “cogumelo”. O rolling stone Brian Jones foi considerado o melhor estilo de cabelo. Portanto, aquele que chegava mais perto do estilo dele era considerado muito popular. Entre os punks norteamericanos, Joe Kelley, baixista dos Shadows Of Knight, e também todos os integrantes dos Blue Magoos, tinham excelentes estilos de cabelo. Era quase impossível ver seus olhos. Aqueles que não tinham cabelos longos deixavam que o cabelo crescesse até o queixo e penteavam para os lados, permitindo que o mesmo caísse na própria face, conforme tocavam o seu instrumento. Mais tarde, conforme o estilo mudava de punks para hippies, os caras começaram a repartir o cabelo no meio e deixar que crescessem até os ombros. Mas essa é uma outra história.

As garotas não tinham um papel ativo na cena garage punk. As bandas eram 100% formadas por homens. Entretanto, as platéias eram quase sempre compostas por mulheres, em sua maioria. Uma porção de rapazes se sentia ofendida pelos cortes de cabelo e pelas vestimentas que os músicos ostentavam, mas as garotas adoravam, pois fazia lembrar os seus ídolos britânicos. Portanto, as garotas que seguiam a cena tentavam agradar as bandas, trabalhando duro para se vestirem como garotas inglesas, ou “pássaros”, como elas eram então chamadas. O cabelo era usado longo e liso. Se uma garota tivesse cabelo naturalmente cacheado, tratava logo de alisá-lo com ferro quente. Instruções para essa complicada operação podiam ser encontradas em revistas dedicadas a adolescentes.

As roupas eram usadas o mais curtas possível (pelo menos o mais curta quanto as escolas pudessem permitir) e as botas eram as mais bonitas do momento. Opcionais, mas não menos importantes, estavam os cintos com fivelas grandes e os chapéus “mod”. Se alguém dissesse a uma garota que ela se parecia com Marianne Faithfull, ela se sentia satisfeita por estar na moda. O visual de Marianne era o visual perseguido pela maioria das meninas. Além dos já citados tipos de cabelos, os garotos costumavam também usar calças de veludo ou caneladas, a não ser que quisessem parecer realmente sinistros – nesse caso, usavam calças jeans pretas. As camisas eram intensamente coloridas (com listras, bolinhas ou paisley) e, algumas vezes, mangas largas. A exemplo das garotas, os garotos também usavam cintos com fivelas grandes e capas de corduroy. Para os pés, havia as botas dos Beatles (importadas da Inglaterra), com salto alto e bicos pontudos.

Os instrumentos musicais eram parte essencial do visual. Como já foi dito, muitos grupos usavam instrumentos da Vox. Portanto essa era a marca mais freqüentemente lembrada quando se falava em bandas de garagem. Os instrumentos da Vox não tinham necessariamente o melhor som e não eram necessariamente os mais fáceis de serem tocados (o manejo dos braços da guitarra e do baixo eram horríveis), mas eles eram, disparado, os de visual mais incrementado. É importante lembrar que a imagem era um fator importante. Outras guitarras bastante populares eram a Rickenbacker (especialmente a de 12 cordas, usada pelas bandas de folk-rock), a Fender (Stratocaster, Telecaster e Jaguar) e a Silverstone da Sears. Para os órgãos compactos, as marcas eram Vox (Jaguar e Continental) ou Farfisa. Os amplificadores eram Fender (Twin Reverb, Super Reverb e Bandmaster) ou Vox (Super Beatle e Buckingham).

PACÍFICO NOROESTE

É bem possível que as primeiras manifestações do punk tenham vindo dessa região dos Estados Unidos. Ao invés de “batalhar” contra os Beatles, no final da década de 1950, fortes e rústicos grupos instrumentais como os Wailers (“Tall Cool One”) estavam providenciando uma alternativa contra o pop que parecia estar lentamente tomando o lugar do rock. Bandas tocando ao vivo dominaram essa região e as festas dançantes ficavam lotadas, com pessoas loucas para ver as apresentações dessas bandas.

Na época em que o som punk se alastrou pelos Estados Unidos, o Noroeste estava apinhado de músicos veteranos que estavam prontos para combater a Invasão Britânica. Grupos noroestinos como Sonics, Wailers, Paul Revere & The Raiders e Don & The Goodtimes eram os melhores, já que eles guardavam mais similaridade com britânicos como Kinks, Yardbirds e Pretty Things.

Os Sonics (de Tacoma, Washington) eram liderados por um cara muito doido chamado Gerry Roslie. Eles gravaram vários álbuns, e, com clássicos como “Psycho”, “The Witch”, “Strychnine” e “Boss Hoss” eles se estabeleceram como uma influência que atravessou gerações (Vide The Cramps). Roslie era um vocalista seguro, que dava o melhor de si em seus berros, e tinha uma banda “selvagem” o suficiente para acompanhar seus gritos. Eles simplesmente detonavam. A música dos Sonics pode não ser “bonitinha”, mas é absolutamente essencial.

Os Wailers, também originários de Tacoma, tiveram o seu grande sucesso, “Tall Cool One”, em 1959, mas eles se ajustaram à Revolução Punk de maneira satisfatória, gravando uma série de fortes álbuns. Três de seus petardos punks foram gravados pelo selo Etiquette: “Dirty Robber”, “Bama Lama Loo” e “Out Of Our Tree”. Mesmo não sendo tão despirocados quanto os Sonics, os Wailers tinham muito o que oferecer e não tinham nada a ver com Bob Marley.

Os Kingsmen, de Portland, são frequentemente lembrados por serem os donos da versão mais popular da canção punk mais gravada pelas bandas de garagem, o clássico “Louie Louie”. Este simples exercício de três acordes de arrogância sexual era tudo o que a cena punk procurava. Essa pequena canção chegou a ser até objeto de investigação do FBI por obscenidade e foi banida de uma série de estações de rádio. Mas os adolescentes compraram o compacto dos Kingsmen, apesar dos conselhos de seus pais, e “Louie Louie” acabou se tornando um grande sucesso. Embora outras bandas tenham gravado boas versões desse clássico do R&B de autoria de Richard Berry, os Kingsmen fizeram mais sucesso comercial (antes do Black Flag tê-la gravado). Os Kingsmen gravaram várias faixas matadoras como “Night Train”, “That’s Cool That’s Trash”, “The Jolly Green Giant” e “The Climb”. Uma boa pedida é o disco A Quarter To Three onde a banda detona clássicos da garagem como "Satisfaction”, “Hang On Sloopy” e “Poison Ivy”.

Entretanto, embora isso possa causar alguma polêmica, a melhor banda do Noroeste dos States nos Anos 1960 foi mesmo Paul Revere & The Raiders. Embora eles tenham experimentado o seu período de maior sucesso quando eram contratados da Columbia, seus singles e álbuns do começo da carreira continuam sendo verdadeiros clássicos do rock. Os melhores momentos da banda começaram quando Paul Revere convenceu seu jovem saxofonista Mark Lindsay a largar seu instrumento de lado e começar a cantar. Durante vários anos não havia páreo para eles, e “Steppin’ Out”, “Just Like Me”, “Hungry”, “Great Airplane Strike”, “Ups And Downs” e “Kicks” se tornaram grandes sucessos punks. Então, algo estranho aconteceu. Um a um, os membros começaram a abandonar a banda e a Columbia trocou o nome do grupo para Paul Revere & The Raiders With Mark Lindsay. Nos tempos iniciais, ele era a voz dos punks, mas então, em sua empreitada solo, passou a habitar as fantasias de garotinhas adolescentes. A música foi se tornando mais tola a cada lançamento, e então esse grande grupo punk acabou se tornando tão relevante quanto Jay & The Americans. Podemos dizer que um dos maiores crimes musicais cometidos durante a Primeira Era Psicodélica foi esse lento e doloroso declínio de Paul Revere & The Raiders.

ÁREA DA BAÍA DE SAN FRANCISCO

O Norte da California também tinha uma cena punk bastante ativa. Talvez não tivesse tantas bandas quanto Los Angeles, mas as gravações feitas nessa região eram de alta qualidade. Em termos comerciais, a banda mais bem sucedida dessa área foi The Beau Brummels (numa era pré-flower power, antecedendo bandas como Jefferson Airplane, Grateful Dead, Moby Grape e Country Joe & The Fish). Gravando pelo selo local Autumn (que lançou uma excelente compilação punk chamada San Francisco Roots que apresenta os Brummels ao lado de outros clássicos locais como The Vejtables, Great Society etc.), eles experimentaram vários sucessos; “Laugh Laugh”, “Just A Little” e “Don’t Talk To Strangers”. O som da banda era um híbrido entre Merseybeat, folk-rock e pop simples, que realçava os vocais únicos de Sal Valentino. Uma coletânea lançada recentemente chamada From The Vaults (Rhino), mostra que os Beau Brummels também eram capazes de mostrar a sua faceta mais roqueira, mas, durante o reinado da banda, a decisão foi por deixar em evidência a maestria em criar canções pop perfeitas.

Colecionadores mais radicais provavelmente dirão que o melhor do som punk que surgiu dessa área emergiu da cidade de San Jose, onde a Chocolate Watch Band reinava absoluta. A banda era considerada uma das melhores cópias dos Rolling Stones produzidas nos Estados Unidos. Não há como negar tal afirmação quando ouvimos canções como “Let’s Talk About Girls”, “Sweet Young Thing” e "Sitting There Standing”. Havia também ótimos números de folk-rock, como “Baby Blue”, por exemplo. Mas os seus álbuns podem ser considerados apenas quase perfeitos, pois eles insistiam nas longas e deslocadas jams psicodélicas. A coletânea The Best Of Chocolate Watch Band (Rhino) é um bom aperitivo para quem não conhece nada da banda e quer saber por que ela é uma das preferidas dos colecionadores de gravações punks sessentistas. Para quem quiser se aprofundar mais no som da banda, a pedida são os dois primeiros LPs do grupo, No Way Out e Inner Mystique (o terceiro LP, One Step Beyond, não é muito bom, e apresenta uma banda totalmente descaracterizada, com um som muito pesado). Os singles lançados em compactos e que não saíram em nenhum LP também são essenciais.

San Jose merece a fama de ter produzido excelentes bandas. Combos punks matadores mantinham a boa fama da cidade. The E-Types alcançaram um grande sucesso local com canções punks como “I Can’t Do It”, “Big City” e a fabulosa “Put The Clock Back On The Wall”, mas eles não puderam espalhar a sua magia para além das fronteiras de San Jose. O mesmo pode ser dito sobre William Penn, que lançou excelentes gravações no mercado interno, incluindo “Blow My Mind”. The Mourning Reign lançaram dois petardos garageiros de altíssima qualidade, “Satisfaction Guaranteed” e “Evil Hearted You”. Os Brogues são mais lembrados por terem sido o grupo que originou dois membros para o Quicksilver Messenger Sevice, mas seus singles, especialmente “Don’t Shoot Me Down” e “Ain’t No Miracle Worker” mostram que eles merecem um lugar de destaque na História do punk de garagem sessentista.

Duas bandas de San Jose que, infelizmente, não conseguiram alcançar o sucesso de nível nacional, foram o Count Five (considerado um dos melhores clones dos Yardbirds da época), com o seu rústico punk rock “Psychotic Reaction” (conduzido por um memorável riff de guitarra) e um bom álbum; e o Syndicate Of Sound, com o seu frenético folk-rock “Hey Little Girl” (regravado pelos Dead Boys na década de 1970). Ambas pareciam ter a aparência e o talento para se tornarem potentes forças do punk rock em nível nacional, mas, tristemente, não tiveram a chance de expor o seu trabalho para muito além das suas fronteiras.

Julgando pelas gravações, San Jose apresentava uma cena divertida, repleta de dinâmicas e excelentes bandas. Ouvindo todo esse material produzido nessa cidade durante aquela época, é fácil saber que os adolescentes locais tinham magníficas opções de clubes para assistir ao vivo algumas das melhores bandas do país. É imperativo que surja alguma coletânea trazendo o melhor do rock de garagem produzido em San Jose durante a década de 1960.

A área da Baía de San Francisco possuía outras localidades quentíssimas em termos de som, nas cercanias de San Jose. Em Sacramento havia o Oxford Circle, cuja “Foolish Woman” é considerada um clássico do rock de garagem dos sessenta. O baterista Paul Whale acabaria no Blue Cheer. The New Breed apresentou um bom potencial para o sucesso com canções como “Green Eyed Woman” e "Want Ad Reader”, mas não passou disso.

A Baía Leste tinha, é claro, os Golliwogs, que, mais tarde, mudariam de nome para Creedence Clearwater Revival e colecionariam uma fileira de sucessos. Seus primeiros trabalhos tinham influência de Beatles e foram compilados em um álbum lançado pela gravadora Fantasy. Trata-se de um bom material. Em 1965, The Harbinger Complex começou suas atividades em estúdio e nos palcos. Mais tarde eles se tornariam regulares em clubes, mas não puderam se expandir para além disso. Suas gravações, entretanto, resistiram ao teste do tempo. Outros grupos que tiveram o seu momento de rápido estrelato foram The Daily Flash, The Mystery Trend e The Mojo Men.

LOS ANGELES


Embora cada canto dos States tivesse os fanáticos seguidores das bandas de garagem, Los Angeles parecia ser a cidade mais próspera em termos de bandas punks. A cidade tinha uma vibrante cena, abastecida por uma mídia constante, um vasto número de clubes e dezenas de selos independentes. Havia, literalmente, centenas de bandas na região de Los Angeles, fazendo gravações, aparecendo na mídia, tendo participações em filmes exibidos nos drive-ins e vivendo uma vida de astros. É claro, poucos grupos expandiram sua influência para além das fronteiras da cidade, mas a maioria deixou centenas de vinis promocionais para a posteridade, para todos aqueles que estavam fora dos limites de Los Angeles soubessem posteriormente o que estavam perdendo. Há uma coletânea da gravadora A.I.P. que mostra muito bem a evolução do rock de garagem de Los Angeles nos Anos 1960, que vai do punk dançante de inclinações R&B, passando pelo punk adolescente e chegando ao punk flower power.

Embora muitos aficionados não concordem que os Byrds e o Love fossem parte da cena, eles foram muito importantes. Os Byrds praticamente inventaram o folk-rock e instantaneamente se tornaram uma influência crucial – tão importantes quanto Rolling Stones ou Pretty Things – para todas as jovens bandas punks. Ouvindo as gravações dos primeiros tempos da banda (quando eles ainda se chamavam Preflight e gravavam pela Together Records) podemos perceber que os Byrds eram também uma boa banda de garagem (especialmente em gravações como “You Movin’”), mas essa qualidade foi perdida embaixo da produção sofisticada de Terry Melcher. Os Byrds também influenciaram as bandas punk a se voltarem para a psicodelia quando lançaram seus dois clássicos, “5D” e “Eight Miles High”. O Love alcançou um sucesso em menor escala, mas parecia que a maioria das pessoas que comprava os seus discos também era formada por integrantes de outras bandas de garagem, porque há uma profusão de covers de canções do Love feitas por contemporâneos. Assim como os Byrds, o Love também esteve na linha de frente das vertentes folk-punk e punk psicodélico. Mas o Love passava longe da suavidade dos Byrds, devido ao fascínio que Arthur Lee possuía pelo estilo de Mick Jagger.

É importante lembrar que Los Angeles produziu também três das mais matadoras bandas punks dos Anos 1960 e que também chegaram a experimentar um limitado sucesso de nível nacional. Essas bandas eram The Music Machine, The Standells e The Seeds.

O Music Machine era uma banda bastante peculiar, com muita personalidade. Todos os seus integrantes usavam “uniformes” da cor preta e seus cabelos eram cortados em forma de concha virada para baixo. A “marca registrada” da banda eram as indefectíveis luvas pretas de couro. Isso dava para pessoas como Dick Clark assunto para falar durante as entrevistas em seu programa de TV American Bandstand. Assim como no vinil, a banda era magnífica quando executava ao vivo suas canções e até os covers. Sua sonoridade apresentava o frenético “diálogo” entre a guitarra e os teclados. O material original, que era composto pelo guitarrista/vocalista Sean Bonniwell, era rústico e agressivo. Algumas gravações, como “People In Me”, “Wrong”, “Come On In” e “Double Yellow Line” eram realmente maravilhosas, mas o grande clássico “Talk Talk” era insuperável em termos de ferocidade punk. Sean parecia sempre manter a sua voz sob controle todas as vezes que ele rosnava cada palavra da letra. Poucas gravações podem se equiparar à intensidade e à entrega desta pepita. O que evita que o primeiro LP da banda seja considerado uma perfeição talvez seja o fato de que eles tenham escolhido covers que, comparadas às originais, perdem feio. Se o álbum tivesse sido formado apenas por material original da banda, poderíamos estar aqui falando de um clássico inestimável do melhor rock de garagem já produzido em qualquer época. Mesmo assim, trata-se de um excelente álbum. O segundo LP não é tão bom, mas apresenta algumas faixas matadoras, e os singles que não saíram nos LPs também são “absolutamente positivamente” indispensáveis.

Os Standells começaram cedo. Eles tocavam um rock dançante influenciado por R&B já no período 1963/1964, gravando material de estúdio e fazendo aparições memoráveis em filmes e em programas de TV (como The Munsters). Mas foi em 1965, quando eles se aliaram ao produtor Ed Cobb, que as coisas começaram a ficar em seus devidos lugares. Cobb compôs “Dirty Water” para o grupo e, conforme o tempo foi passando, o resto é História. Durante o Verão de 1966, era impossível ouvir o rádio por uma hora e não ouvir “Dirty Water” pelo menos uma vez. Ed Cobb deu aos Standells um som mais palatável e encorpou o vocal da banda. E, o mais importante de tudo, ele concedeu aos Standells aquilo que toda banda punk que se preze sempre deve ter – um som saturado de fuzz, cortesia de uma Fuzz Box. Essa pequena invenção era usada mais pelas bandas punks do que por qualquer outro tipo de banda. O guitarrista deveria plugar a sua guitarra nessa caixinha mágica que, por sua vez, era conectada ao amplificador. Quando a caixa estava desligada, o som parecia normal, mas, quando era ligada (com uma pisada do guitarrista no botão “on”) a guitarra adquiria um som distorcido, um som totalmente “fuzzy”, que era a base de todos os riffs de guitarra no rock de garagem. A maior parte dos petardos que acabaram se tornando clássicos do rock de garagem sessentista apresenta guitarras que transbordam efeitos de fuzz. Quando os Standells adotaram a Fuzz Box e deixaram para trás o seu rockinho dançante, eles asseguraram o seu lugar na História do punk e “Dirty Water” se tornou um dos clássicos dessa Era.

Depois do sucesso de “Dirty Water”, eles tiveram poucas outras incursões bem sucedidas, como “Sometimes Good Guys Don’t Wear White” e o arrogante clássico menor “Why Pick On Me” e até excursionaram com os Rolling Stones. Mas eles jogaram fora toda a sua credibilidade quando lançaram The Hot Ones, uma inacreditável coletânea de hits do momento. Muitos consideravam os Standells como sendo os Rolling Stones de Los Angeles, e, por isso mesmo, ouvi-los interpretando sucessos como “Eleanor Rigby” era como receber uma facada nas costas.

A História provou que esse foi o maior erro da banda. Eles lançaram outros sólidos singles punks depois disso, como “Try” e “Barracuda”, mas nenhum desses foi bem sucedido comercialmente. Para quem não quiser se aprofundar na discografia, a coletânea The Best Of The Standells (Rhino) é essencial em toda coleção de punk de garagem que se preze.

Os Seeds eram tão básicos que a maioria das pessoas faziam uma idéia errada deles, pensando que eram tolinhos. Apesar da música de todas as suas canções parecer soar como sendo sempre a mesma, tal fato parecia não apagar o estilo e a classe que os Seeds realmente possuíam. O vocalista Sky Saxon se tornou uma figura largamente cultuada. Embora ele ande um pouco sumido, as pessoas continuam até hoje contando histórias das mais lisérgicas sobre essa lenda das garagens. Uma dessas histórias, por exemplo, dá conta que Sky teria se convertido a uma religião que adorava cachorros na década de 1970 (realmente, há um EP raríssimo creditado a um certo “Sunlight” lançado em 1976 e que versa sobre adoração religiosa a cães). Se isso for verdade, parece que a ressaca do Flower Power foi realmente longa.

Surpreendentemente, os álbuns dos Seeds (todos da Gravadora GNP) nunca saíram de catálogo, o que torna possível saber por que Sky Saxon se tornou uma lenda e o que ocasionou o declínio dos Seeds. O primeiro LP saiu no começo de 1966 – e foi um começo explosivo. A formação com órgão Vox, guitarra, bateria e vocal (formação esta adotada pelos Doors, cujo vocalista Jim Morrison era um ávido fã dos Seeds) deu à banda uma sonoridade que rapidamente a afastou da convencional formação de duas guitarras, baixo, bateria e vocal. Todas as faixas pareciam ter o mesmo fraseado de teclados e o mesmo solo de guitarra, o que dava à sua música um certo charme primitivo.

Os arranjos eram evidentemente secundários. Os Seeds sobreviviam através de seus hinos de ira punk adolescente, como “Can’t Seem To Make You Mine” e o óbvio clássico “Pushin’ Too Hard”, ambos cantados pela voz rascante e animalística de Sky Saxon. Ele rosnava e murmurava tanto que, na maior parte do tempo, parecia mais um animal ferido do que um vocalista de uma banda de rock’n’roll. Sua atitude desleixada apenas somava à mística dos Seeds. Eles também pouco se importavam se “Pushin’ Too Hard” era ou não era um sucesso (a canção alcançou a posição de nº 36 na parada da Billboard).

O segundo LP, Web Of Sound, também é muito importante, mas, depois disso, as coisas pareceram começar a desmoronar. Sky começou a ficar obcecado pelo Flower Power, e o resultado foi o álbum Future, o mais psicodélico dos álbuns dos Seeds. Saxon adicionou metais, cordas e cítaras ao riff característico e patenteado dos Seeds. Depois disso, ele tentou capitalizar em cima do “blues branco” que estava na moda. O resultado é que A Full Spoon Of Seedy Blues soa como uma das maiores imposturas que alguém já ouviu. Trata-se de um disco insípido. Mas o fim da banda foi digno, pois, antes de encerrar atividades, eles lançaram um forte álbum ao vivo e alguns singles interessantes pela MGM.

As outras bandas de Los Angeles não eram menos impressionantes. Poderíamos citar The Sons Of Adam, The Lyrics e The Bees como belas obscuridades que poderiam muito bem se equiparar ao triunvirato Music Machine/Standells/Seeds. A banda The Sons Of Adam lançou vários singles maravilhosos pesadamente inspirados na sonoridade dos Yardbirds. Eles também lançaram uma excelente versão de “Tomorrow’s Gonna Be Another Day”, original dos Monkees. Os Sons Of Adam evoluíram para a igualmente importante banda chamada The Other Half, que se tornou regular no circuito de shows em San Francisco. Os Lyrics eram igualmente sensacionais, mas, sendo contratados da gravadora GNP, não receberam tanta atenção quanto os seus colegas de gravadora, os Seeds. Mesmo assim, durante o período que vai de 1965 a 1968, eles lançaram uma leva de compactos que rivaliza com o melhor do rock de garagem produzido na cidade nesse período. Eles provavelmente receberam maior atenção quando surgiram com a paulada sonora transbordante de fuzz chamada “So What”, um excitante número de folk punk.

Os Leaves entraram para a História por terem perpetrado a versão mais bem sucedida comercialmente de “Hey Joe”, um standard garageiro dos sixties. Eles também alcançaram um grande sucesso local com o intenso folk punk “Too Many People”. Os Leaves pareceram nunca ter alcançado um ideal de influência musical, pois havia uma certa indecisão se eles se pareciam mais com os Byrds ou com os Rolling Stones. Apesar da confusão e de nunca mais terem equiparado o sucesso comercial que sua versão de “Hey Joe” alcançou em 1966, eles ainda gravaram excelentes números punks que seguraram a onda muito bem. O material gravado pelos Leaves também é importantíssimo em qualquer coleção de rock de garagem.

The Rain era produzido por Brian Ross, que também produziu a Music Machine, e o som dessa banda era pesadamente inspirado no R&B inglês, embora eles empregassem uma certa ferocidade frenética ao seu som. “ESP” foi a sua tentativa de encontrar o sucesso e se parecia muito com “LSD”, dos Pretty Things. Seria muito interessante se o material gravado por essa banda viesse à luz em alguma coletânea. Possivelmente deve haver várias outras gravações do The Rain esperando para ser descobertas.

Os Electric Prunes eram oriundos de Seattle, mas eles se estabeleceram em Los Angeles. Eles lançaram singles maravilhosos e álbuns que se tornaram clássicos, especialmente os dois primeiros, com destaque para Underground, verdadeira pepita de psicodelia garageira. Seu maior sucesso foi o inesquecível clássico “I Had Too Much To Dream Last Night”, título também do seu primeiro e excelente LP.

Havia também uma boa leva de bons grupos punks Mexicanos-Americanos que lançaram magníficas gravações no estilo R&B selvagem. Os Premiers alcançaram o sucesso com “Farmer John”, Cannibal & The Headhunters com “Land Of 1000 Dances” e The Midnighters com “Whittier Blvd”. Essas gravações passam a impressão de que foram feitas em festas regadas a muita bebedeira. Muitas delas merecem uma reedição.

Outras preciosidades do punk de Los Angeles foram “Makin’ Deals” (The Satans), “One Of These Days” (The Roosers), “Two Souls” (The Grim Reaper), “Invisible People” (Hamilton Streetcar), “Be A Caveman” (The Avengers), “Race With The Wind” (The Robbs), “Voices Green And Purple” (The Bees), “You Must Be A Witch” (The Lollipop Shoppe), “Don’t Do It Some More” (The Cindermen), “Midnight To Six” (The Jagged Edge) e literalmente centenas de outras.

SUDOESTE


O estado do Arizona tinha uma cena vibrante. Em Tucson, os Quinstrels, que, mais tarde, mudariam de nome para The Intruders e The Dearly Beloved, lançaram boas gravações do mais bruto rock de garagem. Eles se mudaram para Los Angeles para gravar um álbum, ocasião em que o vocalista da banda morreu em um acidente de automóvel. O mais incrível grupo de Tucson, entretanto, foi The Grodes (que também lançou ótimas gravações no mercado sob o nome de The Tongues Of Truth). Eles tinham uma forte base punk com vocais controlados e um material sólido. De fato, foi Manny Fraser, integrante dos Grodes, quem compôs o clássico “Let’s Talk About Girls”. Eles gravaram essa canção somo The Tongues Of Truth, mas a canção se tornou mais conhecida quando foi regravada pela Chocolate Watch Band.

A cidade de Phoenix tinha uma cena muito maior e muito mais ativa devido ao fato de que vários e importantes estúdios de gravação se localizavam nessa cidade. Phoenix não foi apenas o reduto original de Alice Cooper, Nazz e The Tubes, mas também de Superfine Dandelion, The Velairs e da fantástica banda Phil & The Frantics (que tinha uma sonoridade similar à dos britânicos Zombies).

O Novo México também tinha uma cena punk bem agitada. The Plague, banda originária de Albuquerque, perpetrou uma extraordinária gema chamada “Go Away”. The Fe-Fi-Four Plus 2 (que nome maravilhoso para se batizar uma banda!) tinha o clássico “I Wanna Come Back From The World Of LSD”; e o The Cellar Dwellers (outro grande nome para uma banda de rock) permaneceu na obscuridade, a despeito do brilhantismo de “Working Man”. Enfim, há uma infinidade de ótimas bandas punks sessentistas do Novo México que merecem lugar em alguma compilação do tipo Pebbles ou Nuggets.

TEXAS

A cena punk texana dos Anos 1960 tem excitado colecionadores de raridades psicodélicas ao longo das décadas (com toda a razão) e, ao lado de Los Angeles, essa região produziu o mais amplo número de grupos de alto padrão. Os sons adolescentes que emergiam das garagens texanas eram os mais alucinados e alienígenas que qualquer um pudesse imaginar. A mídia estadunidense focava a sua atenção na Revolução Psicodélica que ocorria em San Francisco, mas, para muitos, a mais demente psicodelia do mundo nascia em terras texanas. A explicação para isso poderia ser devido ao peiote ou aos cogumelos consumidos em larga escala por certa parcela da juventude texana, mas, sem se importar com as razões, o punk sessentista texano era, realmente, muito louco e gerou um punhado de gravações matadoras.

A mais infame de todas as bandas punks do Texas foi, sem dúvida, The Thirteenth Floor Elevartors. Liderados pelo talentoso Roky Erickson, os Elevators tinham um som inspirado em sua maior parte na sonoridade dos Rolling Stones, mas conseguiam soar muito mais selvagens que seus ídolos britânicos, muito disso devido ao jug elétrico de Tommy Hall. Lá pelo final de 1966, quando os Elevators começaram a ressoar os seus sons psicodélicos, a maioria dos grupos estava fazendo a transição do punk de garagem para a psicodelia. Como a melhor de todas, a banda conservou a sua rusticidade punk adolescente sem deixar de experimentar a lisergia sonora que estava impregnando os ares nessa época. Toda a discografia dos Elevators é importantíssima. Há também uma gravação ao vivo feita no Avalon Ballroom, em San Francisco, que é muito fácil de ser baixada na internet e que captura a feroz insanidade da banda em suas apresentações ao vivo. Os Elevators eram o orgulho do underground de Austin e Houston.

The Moving Sidewalks são outro grupo altamente apreciável por colecionadores, ainda que a maior parte de sua música possa ser considerada psicodelia progressiva ao invés de punk de garagem. Apesar disso, o primeiro single da banda, “99th Floor”, é uma obra-prima garageira além da imaginação. Essa canção possui uma letra bizarra, um forte riff com fuzz, uma batida austera e uma melodia cativante. Infelizmente, a banda não continuou trilhando esse caminho musical. O guitarrista Billy Gibbons mais tarde formou o ZZ Top e Jimi Hendrix deu o seu endosso à banda, duas razões pelas quais as pessoas continuam a considerar os Moving Sidewalks. Eles foram magníficos durante um single e apenas bons durante o resto de seu legado musical.

Uma banda muito mais versátil foi Mouse & The Traps, que gravou numerosos compactos. Eles são mais lembrados pela inconfundível habilidade do vocalista Ronnie “Mouse” Weiss em imitar Bob Dylan no maravilhoso clássico “A Public Execution”. Mas eles também rockavam pesado. A compilação dessa banda lançada pelo selo Eva é uma das melhores reedições já lançadas e mostram a versatilidade do grupo.

Os Elevators, os Moving Sidewalks e Mouse & The Traps são consideradas as três bandas principais pelos colecionadores de vinil, mas havia outras ótimas bandas texanas que chegaram até a alcançar as paradas de sucesso. Sam The Sham And The Pharaohs, por exemplo, é uma banda que conseguiu emplacar alguns sucessos em nível nacional. Contudo, debaixo das insanas letras de “Wooly Bully”, “Ju Ju Hand”, “Ring Dang Doo” e “Little Red Riding Hood” havia um excitante rock. A música de Sam era repleta de referências da década de 1950 – especialmente pelo uso de saxofone e de emulações de R&B – mas aquela batida pulsante, aquele órgão Vox, e aqueles vocais tensos eram puro punk adolescente. Sam The Sham tinha um excelente senso de humor que funcionava bem no vinil e nas apresentações ao vivo.

Outra grande banda saída do Texas foi The Sir Douglas Quintet. O produtor Harvey Meaux quis fazer parte da Invasão Britânica. Por isso, ele coagiu Dough Sahm a liderar The Sir Douglas Quintet. Bem, Meaux perpetrou alguns poucos sucessos comerciais, mas, com a voz arrastada de Dough Sahm e a influência dos músicos mexicanos que integravam a banda, ele passou longe de parecer britânico. Mas era uma banda diferenciada, e com “She’s About A Mover” e “The Rains Came”, o grupo alcançou certa notoriedade. Muito pouco do material da banda pode ser classificado como punk, pois eles eram igualmente adeptos do R&B e do country. Mas, quando eles tocavam rock, eles realmente detonavam. The Sir Douglas Quintet teve muita sorte em contar com o talento do tecladista Augie Myer. O jeito com que ele tocava o seu órgão Vox é copiado até os dias de hoje. Um verdadeiro gênio da simplicidade.

Um dos grupos que Myer inspirou foi The Five Americans. Apesar do nome meia-boca, essa banda de Dallas era punk até a medula. Eles tinham a inclinação para fazer melodias contagiantes. Portanto, uma porção dos seus mais de vinte singles beliscou as paradas. Basta lembrar de jóias como “I See The Light”, “Western Union” e “Zip Code”. Os Five Americans provaram que uma banda poderia ser pop sem deixar sua alma garageira de lado. Mas, voltando a falar das bandas que não alcançaram o sucesso, Kenny & The Kasuals era uma atração bastante popular no circuito de clubes, e o seu álbum ao vivo “falsificado” pode comprovar o motivo. Eles perpetraram excelentes versões de canções do rock britânico. Seus singles mostram a sua lenta guinada em direção ao punk psicodélico, especialmente a incrível “Journey To Tyme”.

Havia outras centenas de grupos texanos que merecem o seu lugar de destaque em qualquer antologia. É possível escrever um livro inteiro sobre o punk texano sessentista, mas podemos citar uma fileira de singles clássicos imprescindíveis. Eis aqui apenas alguns deles: “I Don’t Believe It”, dos Things (grupo de El Paso, com uma incendiária guitarra com fuzz e brilhante órgão Farfisa), “Blue Girl”, dos Bad Roads (rock acelerado), “The Train Kept A Rollin’”, do Scott McKay Quintet (grupo com uma sonoridade semelhante à dos Yardbirds da fase Jimmy Page), “Bad Girl” e “I Need You”, dos Zakary Thaks (duas pauladas punks, embora a maior parte do repertório da banda seja essencialmente melódica), “Sorrow In C Major”, do Knights Bridge Quintet (bizarra e hipnótica melodia conduzida pela guitarra com fuzz e um solo no estilo raga), “Come With Me”, dos Exotics (brilhante banda punk), “I’m In Pittsburgh” e “It’s Raining”, dos Outcasts (banda que apresentava um som meio inspirado nos Stones, tendo uma selvagem harmônica de fundo) e “Time Machine” de Satori (perfeita mistura entre Elevators e Seeds). E essa é apenas uma pequena fração de toda a boa música produzida no Texas durante os Anos 1960.

CHICAGO

O maior nome de Chicago era The Shadows Of Knight. Esses cinco adolescentes imberbes incrementavam o seu R&B com uma inspirada seção rítmica. Pode ser que o líder e vocalista Jim Sohns alegue que tenha aprendido com os originais, mas a sua atitude e sua postura eram diretamente ligadas à mesma escola britânica do blues outrora freqüentada pela trinca Mick Jagger / Phil May / Eric Burdon.

The Shadows Of Knight era uma das bandas favoritas nos clubes adolescentes de Chicago quando o produtor e proprietário da gravadora Dunwich os conduziu ao interior do estúdio para que eles gravassem uma versão de “Gloria” (Them), uma canção que havia sido proibida em muitos lugares dos Estados Unidos. O resultado final se constituiu em uma experiência mágica, jamais equiparada pelo grupo novamente em termos comerciais. A canção era perfeita para a voz rascante de Sohns. Em pouco tempo, o single se tornou um sucesso esmagador em Chicago e rapidamente se espalhou pelo resto do país.

O primeiro álbum foi uma pancada de blues adolescente, com simples, porém eficientes solos de guitarra. O LP seguinte, Back Door Men, era mais diversificado, pois a banda tentou números instrumentais (“The Behemoth”), pop (“Tomorrow’s Gonna Be Another Day”) e folk-rock (“Hey Joe”), ao lado de sua bastardização do blues. “Bad Little Woman” era um excelente número, mas não alcançou a mesma repercussão de “Gloria”, e não pode fazer muita coisa pelo álbum. Mudanças constantes de membros do grupo resultaram no fato de que Sohns passou a ser o único dos membros originais quando saiu o terceiro LP. Um single, “Shake”, alcançou razoável repercussão, mas o flerte com o bubblegum tentado pelos novos Shadows pareceu tímido comparado ao que eles já tinham feito em sua faceta bluesística. Sohns manteve o grupo trabalhando ativamente até o final da década de 1970, quando ele se tornou empresário do Skafish. Pelo menos os Shadows tiveram seus bons momentos com o sucesso do single “Gloria”.

The Del-Vetts eram igualmente brilhantes e por várias vezes provaram ser até superiores aos Sahdows Of Knight em termos de ferocidade punk, se julgarmos pela qualidade de seus singles. “The Last Time Around” parece ser uma das melhores faixas punks já registradas em vinil. Por razões misteriosas, o single não obteve sucesso comercial. The Del-Vetts tiveram algum sucesso regionalmente localizado e eram bastante populares nos arredores, mas o fracasso comercial do single botou um ponto final na festa.

Um dos problemas com as bandas de Chicago era a preocupação exacerbada com o sucesso. Bandas como Buckinghams, Cryan Shames e American Breed eram muito boas, mas o som superproduzido de suas gravações em estúdio eliminava o potencial.

Havia muitas outras boas bandas punks. The Naves possuíam alguns bons singles de folk-punk. Eles eram uma espécie de clone rudimentar dos Byrds. The New Colony Six lançou dois fortes álbuns punks adolescentes antes de se tornarem um grupo pop de MOR. The Mauds tocavam soul de branco, e, enquanto seu LP parecia não decolar, suas apresentações ao vivo levavam platéias à loucura. The Flock e Little Boy Blues lançaram excelentes singles no início de suas carreiras, mas se tornaram levemente pretensiosos quando começaram a lançar seus álbuns.

DETROIT

Michigan era outra mina de ouro repleta de talentos. A área de Detroit possuía bons estúdios, clubes bem freqüentados e gravadoras independentes muito bem organizadas, tais como a Hideout e a Square. Os adolescentes locais simplesmente devoravam o soul branco produzido pelas bandas punks. E várias bandas alcançaram um certo sucesso. The Fugitives lançaram um decente disco gravado ao vivo que soava como se fosse uma reedição. The Nationals eram, possivelmente mais adeptos do blue-eyed soul do que os Young Rascals, e eles fizeram dessa vertente um bom negócio. Seu único álbum não chega perto da intensidade dos seus compactos de vinil que, hoje em dia, são extremamente raros. Cherry Slush foi uma das primeiras bandas de Dick Wagner (mais tarde, no Frost e parceiro musical de Lou Reed e Alice Cooper). Scott Richard Case, que mais tarde se tornaria o mais metaleiro SRC, era uma boa banda e Case era um cantor que provavelmente teria ido muito longe. Terry Knight também lançou um par de excelentes álbuns. Seu grupo, o The Pack, acabaria se transformando no Grand Funk Railroad, e Terry largaria os vocais para ser apenas o empresário da banda. The Wanted fez uma boa versão punk de “In The Midnight Hour”. Outros singles como “East Side Story” e “Persecution Smith” também vieram à luz pelas mãos dessa banda, que contava com Bob Seger em sua formação.

Outras gravações interessantes podem ser citadas, tais como “Farmer John”, dos Tidal Waves, “Love’s Gone Bad”, dos Underdogs, “Where You Gonna Go”, dos Unrelated Segments, “Who Do You Love”, dos Woolies, e os dois primeiros álbuns dos Amboy Dukes. Sim, até mesmo Ted Nugent já foi um punk.

Nessa época, os maiores astros de Detroit eram Mitch Ryder & The Detroit Wheels, que realmente pegavam pesado com clássicos como “Good Golly Miss Molly”, “Jenny Take A Ride” e “Sock It To Me Baby”. Seguramente ele ouviu os originais, mas o seu grito era mais punk de branco do que soul de branco e ele acabou deixando para a posteridade uma porção de memoráveis gravações.

O que pode ser considerada a melhor canção punk já saída de Detroit é regularmente citada em artigos sobre o Texas. Confuso? Bem, “96 Tears”, com o seu repetitivo riff de teclado a cargo de Augie Myer e vocais monótonos a cargo de ? & The Mysteryans, foi composta enquanto os mexicanos americanos ainda continuavam vivendo no Texas. Por alguma razão desconhecida, eles se mudaram para Detroit, regravaram a canção pela gravadora Cameo e fizeram dessa gravação um enorme sucesso. Alguns poucos sucessos se sucederam, todos parecendo versões modificadas de “96 Tears”. Seus dois álbuns são importantes. O brilhantismo da banda residia na sua simplicidade (assim como acontecia com os Seeds). Iggy Pop os considera como uma influência crucial em sua música.

MINNEAPOLIS

A região teve algumas das mais selvagens manifestações do punk adolescente de garagem. The Trashmen apareceram com a sua bizarra “Surfin’ Bird”, que se tornou um sucesso de nível nacional. O mesmo aconteceu com a canção “Liar Liar”, dos Castaways. Mas havia muitos outros singles explosivos eclodindo nessa região. Um bom exemplo é “Run Run Run”, dos Gestures, uma mistura de Merseybeat com surf music. Os dois primeiros álbuns do The Litter (banda que fazia um rock meio grunge de inclinação britânica) também são essenciais. T. C. Atlantic também lançou um ótimo material. Havia ainda uma infinidade de outras bandas realmente muito boas, muitas das quais gravaram por selos locais, como Garrett e Soma.

OHIO

Assim como acontecia em Chicago, os punks de Ohio pareciam navegar em águas mais pop, mas eles faziam isso com uma proximidade maior aos grupos ingleses. Eles não enchiam as suas canções com cordas e metais, eles simplesmente compunham melodias claras e coesas que tinham como pano de fundo uma grande e poderosa batida. O melhor exemplo disso é a banda The Choir, de Cleveland, cujo single “It’s Cold Outside” é considerado uma das melhores canções no estilo Merseybeat já compostas fora do Reino Unido. The McCoys, apresentando o adolescente Rick Derringer, eram outro grupo extremamente melódico. Eles emplacaram grandes hits como “Hang On Sloopy” (clássico do punk de garagem) e “Fever” e fizeram dois excelentes álbuns, antes de tornarem o seu som mais “sério”. The Outsiders era uma banda ligada à gravadora Capitol, por onde lançaram singles como “Time Won’t Let Me” (um dos maiores sucessos de 1966, que até ganhou versão em português, a cargo da banda carioca Os Canibais) e “Respectable”. The Music Explosion é outra banda que primava pelas boas melodias, e emplacou o grande sucesso “Little Bit O’Soul”, que acabaria se tornando clássica e que, mais tarde, ganharia uma versão feita pelos Ramones. Posteriormente, a banda lançou excelentes singles no estilo bubblegum, mas “Little Bit O’Soul” seria realmente o seu único grande sucesso (eles alcançariam um sucesso moderado com “Sunshine Games” em agosto de 1967). Como alternativa aos punks de inclinação pop, bandas mais obscuras, como The Alarm Clock e The Rats ofereciam uma fração de tosqueira raivosa em seua singles.

BOSTON

Os mestres das garagens em Boston eram, de longe, os Remains. Esta fabulosa banda realmente parecia estar destinada a uma carreira de êxitos – eles assinaram contrato com uma grande gravadora, excursionaram com os Beatles, se apresentaram no programa de maior audiência da televisão norteamericana (The Ed Sullivan Show) e, o melhor de tudo, tinham muito, mas muito talento. A maior parte de seu material apresenta uma forte influência britânica e, pelo fato de usarem acordes menores, pareciam ser como uma versão estadunidense dos Zombies. Uma série de conflitos que estavam além do controle dos Remains, os mantiveram longe do sucesso que eles mereciam. Entretanto, suas gravações estão disponíveis para as novas gerações, que podem comprovar que o som da banda continua tão excitante hoje quanto era na época em que foram lançadas.

Os Remains foram seguidos de perto pelos Barbarians, que gravaram a inacreditável balada “Moulty” (cuja letra fala de como o baterista maneta da banda teve que aprender a se ajustar à sociedade e de como ele desejava uma garota) e a sarcástica “Are You A Boy Or Are You A Girl” (cuja letra falava que “com esse cabelo longo, ou você é uma garota, ou você veio de Liverpool”). O Álbum dos Barbarians é irregular, mas com algumas pepitas importantes de serem garimpadas.

Assim como acontecia com os Remains, o The Lost tinha talento suficiente para ir além das fronteiras de sua terra natal, que, no caso, era New England. Eles tinham um excelente repertório, que eles apresentavam de modo desleixado, mas com garra. Willie Alexander era um dos membros dessa banda de “perdidos”, o que se constitui em uma das principais razões pelas quais os colecionadores de raridades se interessam tanto pela banda. Mas o fato é que a banda era realmente muito boa. The Lost deixou um álbum gravado pela Capitol e que se encontra engavetado até hoje, esperando para ser lançado.

The Rockin’ Ramrods eram grandes astros locais, mas seus singles eram suaves demais e não combinavam com o nome da banda. The Improper Bostonians idolatravam os Byrds, mas eles não possuíam extensão vocal adequada para copiá-los com perfeição. The Vikings era uma versão adolescente dos Rolling Stones. Teddy & The Pandas lançaram alguns bons singles de punk pop antes de lançarem um álbum bem fraco pela Tower Records e Faine Jade lançou a sua selvagemente espetacular “It Ain’t True”, antes de lançarem um álbum de folk psicodélico apenas mediano.

Outras bandas de Boston absolutamente essenciais e que não podem ficar de fora de qualquer coleção que se preze são The Whatt Four, The Rouges, The New Breeds, The Ones e The Rising Storm, cujo álbum Calm Before é considerado um dos mais refinados álbuns de prep school punk. Esse subgênero do rock de garagem sessentista tem como característica as releituras em estilo punk dos sucessos do momento. The Rising Storm era bem melhor em sua faceta folk punk. Quando eles tocavam blues, pareciam um pouco deslocados.

Mas o que parece ser a melhor gravação punk já feita em Boston é o incrível compacto de vinil de sete polegadas apresentando as canções “Till The Stroke Of Dawn” e “See The Girl”, lançado por uma obscura banda chamada The Psychopaths. Há bem pouca informação a respeito desta banda, razão que a torna um dos itens mais desejados por colecionadores. A voz do vocalista parece estar à beira de explodir. Não se sabe se há mais material gravado por essa banda.

NOVA IORQUE

O natural seria dizer que Nova Iorque teve uma cena punk tão excitante quanto as de Los Angeles e do Texas, mas a verdade é que isso estava longe de ser um fato. Havia poucos grupos sólidos, mas a cidade era uma miscelânea de vários gêneros. Havia provavelmente mais blues autêntico de Chicago (Paul Butterfield), psicodelia de primeira linha (Lottar & Hand People) e folk rock (Lovin’ Spoonful e Youngbloods) do que propriamente punk adolescente. Entretanto, há alguns grupos que merecem ser mencionados.

Os reis do punk na cidade de Nova Iorque eram os Blues Magoos. Reparando na sua ambientação visual inspirada em gibis, no fato dos membros da banda compartilharem o sobrenome Magoo e a falta de apoio da crítica local, é inevitável não se lembrar dos Ramones. Mas, ao contrário dos Ramones, os Blues Magoos conseguiram emplacar pelo menos dois excelentes sucessos nas paradas norteamericanas, “Pipedream” e “We Ain’t Got Nothing Yet”. Eles também lançaram três álbuns indispensáveis, Psychedelic Lollipop, Electric Comic Book e Basic, que são repletos de canções bem escritas, guitarras saturadas de fuzz, dedilhados de órgão Vox e letras fora de órbita. Musicalmente, os Blues Magoos soavam como uma rua de tráfego intenso na hora do rush, com a guitarra e o órgão criando um caos total. Os Blues Magoos eram bastante divertidos, e tinham crédito para usarem efeitos sonoros dentro do contexto punk, assim como também tinham talento e material para fazerem três álbuns clássicos. Os Blues Magoos eram, simplesmente, os maiores.

A banda The Magicians costumeiramente tocava no legendário clube Night Owl e era contratada da Columbia, ainda que o seu som polido não impressionasse muito os consumidores de discos de vinil. Os Vagrants eram contratados da Atco e o seu som soava como um Young Rascals mais cru (outra banda bastante popular da região), mas eles não conseguiram muita popularidade além dos limites dos clubes de Long Island. Dois grupos que mostravam grande potencial punk eram The Shapes Of Things com uma maravilhosa versão de “So Mystifying” e The Groupies, cuja “Primitive” configura-se em uma gravação que todo fã de rock de garagem deveria possuir. Na coletânea Nuggets, Lenny Kaye incluiu o Blues Project dentro do cenário punk. Era uma grande banda, liderada por Al Kooper, e seu álbum Projections é excelente e merece a atenção de qualquer colecionador.

Assim como o Blues Project, há outra banda formada por músicos “sérios” que, embora não fosse puramente uma banda punk adolescente, foi uma das bandas mais influentes para os grupos punks (especialmente os que surgiram a partir de 1976). Trata-se do Velvet Underground. A simplicidade de suas canções, o tom depressivo de suas letras e de sua postura, e a rusticidade de sua música foram tão importantes naquela época quanto hoje, tanto tempo depois. Fazendo um cruzamento sonoro entre bizarrice punk acelerada, pop e barulhos experimentais, eles sempre deixaram a sua personalidade impressa, voando à parte das novidades do movimento hippie. Lou Reed e John Cale começaram suas carreiras musicais tocando em diversas bandas de garagem (Primitives, Beechnut e Roughnecks, só para citar algumas) e, eventualmente, se uniram a pessoas como Mo Tucker para formarem o Velvet. Sua ligação com o Exploding Plastic Inevitable e sua conexão com o cenário artístico liderado por Andy Warhol eram os empurrões que eles precisavam para fazer o seu casamento com o seu destino. Sem dúvida alguma, pela qualidade de sua música e pela sua influência, The Velvet Underground foi a banda mais importante a emergir de Nova Iorque nesse período.

É claro que não apenas a cidade, mas também o estado de Nova Iorque tinha maravilhosos combos punks. As cidades pequenas do interior do estado estavam estufadas de excelentes bandas, como The Invictus (um LP roqueiro e vários singles), The Young Tyrants, The Heathens e The Huns. Os arredores de Nova Jérsei presentearam os fãs de rock de garagem com a banda Richard & The Young Lions, cuja “Open Up Your Door” é um clássico e os Knickerbockers lançaram a melhor canção no “estilo Beatles” já composta por uma banda norteamericana, a incrível “Lies”, que alcançou um razoável êxito comercial. Connecticut também tinha uma vibrante cena, liderada por The Shags, que lançaram vários e potentes singles. Há rumores de que existe um álbum inteiro gravado pelos Shags nos Anos 1960 e que ainda não foi lançado. Se for verdade, é imperativo que tal álbum venha à luz, pois canções como “Hide Away” são extremamente excitantes. Duas outras bandas de Nova Jérsei estreitamente conectadas com a cena de Nova Iorque eram The Myddle Class, que lançou gravações profissionais mas punks acima de tudo e The Balloon Farm, cuja “A Question Of Temperature” é um belo exemplo de perfeição em termos de psicodelia punk.