quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A GÊNESE DO ROCK DE GARAGEM NOS ANOS 1960


Acenda as luzes. De repente, você verá uma cena iluminada que representa o momento da concepção do rock’n’roll. A sala mostra um amplificador ou dois. Eles não são muito grandes; Um deles, de fato, está acomodado sobre a capa de uma guitarra com a palavra ‘Silvertone’ gravada em relevo na sua dianteira. Um kit de bateria novo em folha encontra-se encostado em um canto, capturando e refletindo a luz em uma miríade vermelha cintilante de pequenas estrelas. Um sax e um microfone ‘emprestados’ da banda marcial da escola jazem no chão do recinto.

Aquele aposento deveria ter sido um porão ou uma sala social vazia ou um pátio ou qualquer coisa desse tipo. Nos Estados Unidos dos anos 1960 essa era uma garagem, o carro cuidadosamente estacionado na rua por um garoto muito jovem para ter a sua licença de motorista, antiguidades da família empilhadas num canto, tudo para fazer desse recinto algo que deveria ser apenas outro passatempo de adolescente, como colecionar placas de trânsito. A locação implicava muitas coisas: uma cultura rica o suficiente para sustentar o que uma garagem supostamente comporta, uma incansável classe de adolescentes com abundância de tempo ocioso e uma inspiração musical que fez do ato de contar o tempo musical uma atitude de autoafirmação e a primeira tentativa de dar os primeiros passos em direção a uma identidade artística.

Nos primeiros anos da década, o rock tinha evoluído o suficiente a ponto de até mesmo uma fileira de músicos amadores se sentirem confiantes de tentar conseguir um lugar ao sol. A explosão do rockabilly com base de country tinha colocado uma guitarra em cada mão, enquanto que os grupos vocais centrados no R&B ecoavam suas vozes harmonizando nas esquinas urbanas através de todo o país. Mas a maioria das bandas desse tempo permaneceu pesadamente na música instrumental, enquanto os cantores – com exceção de alguns poucos músicos com múltiplos talentos – estavam contentes em apenas cantar e posar para as fotos. Isso levou a Invasão Britânica de 1964 liderada pelos Beatles a providenciar um novo modelo para as bandas norteamericanas.

O som de uma típica banda de garagem era ramificado mais em atitude do que em qualquer forma musical específica. Seus praticantes alegremente piratearam e se apropriaram de estilos de rock à vontade, misturando blues, folk e surf music com a sua interpretação do Merseybeat, aprendendo a segurar e a tocar os seus instrumentos como os integrantes dos Ventures e a se vestirem do mesmo modo que os Rolling Stones. A única coisa que os mantinha unidos era uma inconfundível centelha de vida; a jovialidade que nascia do fato de ascender um estágio, percebendo o seu poder e possibilidades conforme a fantasia se movia inexoravelmente em direção à realidade.

Esse triunfo da substância sobre o estilo, entretanto, não deveria obscurecer certas similaridades musicais que faziam as bandas de garagem dos anos 1960 serem reconhecidas instantaneamente, até mesmo nos dias de hoje. Invenções como o órgão portátil das marcas Vox e Farfisa, caixas de distorção para guitarra como a Fuzz Tone e a ampla aceitação do contrabaixo elétrico constituíram os tijolos fundamentais que edificaram esse tipo de sonoridade. Embora esses avanços tenham se tornado a norma e, logo depois, tenham se tornado obsoletos, ainda havia espaço para tolas experimentações com esses novos brinquedinhos. As melhores bandas de garagem não apenas surpreendiam o seu público; eles mesmo se surpreendiam e, talvez, resida aí o segredo da força de sua música.

Como já era de se esperar, o fenômeno era geralmente restrito a áreas locais; apenas as mais sofisticadas combinações teriam a chance de brilhar para além das fronteiras de seus estados de origem. As “maravilhas de um sucesso só” (“one hit wonders”) se tornaram a regra ao invés de se tornarem a exceção e, exceto por ocasionais turnês, a maioria dessas bandas raramente viajava. Ainda em suas regiões de origem, nomes como The Rationals (Michigan), The North Atlantic Invasion Force (Connecticut), Kenny & The Kasuals (Texas), The Yellow Payges (região Sul da California), Richard & The Young Lions (Nova Jersey) e centenas de outras eram forças reconhecidas, sendo que o seu maior impacto vinha não do seu próprio sucesso, mas da imagem com que eles se apresentavam ao público, com seus músicos novatos. Aquele era um tipo de rock’n’roll que poderia ser alcançado e tocado, tão excitante quanto uma agitada noite dançante de sábado e tão familiar quanto algo de nossa própria casa.

Muitos foram chamados, mas poucos foram os escolhidos. Se tivéssemos que escolher uma canção e uma banda que ascendeu e caiu para tipificar a transitoriedade do som garageiro, o consenso geral apontaria em direção a “96 Tears”, clássico de uma banda apropriadamente denominada de ? & The Mysteryans. Com o seu peculiar som de órgão e letra cantada em fonemas rosnados, “96 Tears” é o rock em sua forma seminal.

O nome verdadeiro de ? era Rudy Martinez e, ao lado dos outros Mysteryans – Robert Balderrama na guitarra, Frank Lugo no baixo, Frank Rodriguez nos teclados e o baterista Edward Serrato – ele migrou do Texas para a área de Saginaw Valley, em Michigan. Essa mistura intercultural começou a colher seus frutos no outono de 1966, quando “96 Tears”, single prensado pelo pequeno selo Pa-Go-Go, no Texas, começou a ser insistentemente pedido nas estações de rádio de Flint, em Michigan (cidade natal de Terry Knight & The Pack, a banda que viria a ser o embrião da Grand Funk Railroad). A canção foi comprada por uma grande gravadora (Cameo) e rapidamente se tornou a número 1 das paradas norteamericanas. Exceto por poucos singles seguintes de vida curta como “I Need Somebody” e “Can’t Get Enough Of You, Baby”, nunca mais se ouviu falar do grupo novamente.

Mas isso não era motivo para lamentações na verdadeira loteria que era a rotatividade das bandas de garagem pelas paradas de sucesso. Para cada grupo que tinha o seu fugaz momento de glória, havia outro para imediatamente tomar o seu lugar. No fim das contas, o sucesso dos Mysteryans não foi tão baseado na sua singularidade ou na sua universalidade; sua música era tão básica que não apenas proporcionava um disposto convite para qualquer jovem sonhador tocá-la imediatamente, mas também enviava a seguinte mensagem aos seus ouvintes: “Se nós podemos fazer isso, você também pode!”.

Nas imediações de Michigan, o sucesso alcançado por ? & The Mysteryans resultou em uma das melhores cenas locais dos anos 1960 norteamericanos. Mitch Ryder também chegou detonando direto de Detroit em 1965 com as suas canções no estilo R&B como “Jenny Take A Ride” e, impulsionados por uma corrente de clubes noturnos adolescentes tais como o Hideout e o Hullabaloo, nomes como Suzi Quatro (que tocou em uma banda chamada The Pleasure Seekers), Bob Seger (cuja banda System teve sucessos como “Heavy Music” e “East Side Story” bem antes de ele ter se tornado um superstar na década de 1970), Dick Wagner & The Frost, SRC, The Rationals, The Henchmen e The Underdogs começaram a ser aclamados. Entretanto, a área de Michigan (e Detroit) não estava no topo, até ocorrer o massacre musical do final dos anos 1960, liderado por MC5 e Stooges, dois grupos cuja influência seria sentida na década seguinte. Todo o Meio-Oeste dos Estados Unidos era uma cornucópia de rock, com cidades como Cleveland contribuindo com The Choir (“It’s Cold Outside”) e Cyrus Erie, bem como um programa de televisão transmitido nacionalmente chamado “Upbeat”, a área de Minneapolis/St. Paul providenciando “roqueiros colegiais bem feitinhos” como The Castaways (“Liar Liar”) e The Gestures (“Run Run Run”). Até mesmo o Canadá foi contagiado por essa febre com Luke & The Apostles (de Toronto) e The Ugly Ducklings, ambos experimentando um certo sucesso.

A florescente cena blues de Chicago ganhou boa publicidade quando a banda The Shadows Of Knight foi alçada às paradas nacionais com uma versão da canção “Gloria”, de Van Morrison, um verdadeiro hino arquetípico dos Anos 1960. Jim Sohns (vocal e tamborim), Joseph Kelley (guitarra base), Jerry McGeorge (guitarra rítmica), Warren Rogers (baixo) e Tom Schiffour (bateria) saíram dos subúrbios do Noroeste de Chicago para o estrelato no Cellar de Arlington Heights, em Illinois. Eles empregavam uma surpreendente veracidade às suas interpretações de standards do blues como “I Just Want To Make Love To You” e “Boom Boom”, embora eles tenham se inspirado mais nas versões britânicas dos Stones e dos Animals do que propriamente nos originais. Outras bandas como The Mauds (que possuía a sua própria seção de metais) ou os mais pop The Buckinghams e Cryan’ Shames aderiam a aspectos mais ortodoxos da herança musical de Chicago.

O rock de garagem do Meio-Oeste norteamericano tinha uma espontânea qualidade que acabava se perdendo em um centro de negócios mais sofisticado como Los Angeles. De fato, o contrário também era verdade, se fossemos pensar nos Seeds, por exemplo. Liderados pelo inimitável Sky Saxon, eles se tornaram uma banda “flower power” por um desígnio calculado, embora isso dificilmente tenha interferido na tenaz unidimensionalidade do seu som. “Pushin’ Too Hard” foi o maior sucesso da banda, e eles se mantiveram produzindo esse tipo de sonoridade durante o curso de cinco álbuns, sonoridade que acabou se tornando standard para Sky Saxon quando este mudou o seu nome para Sunlight e passou a ser um lavador de pratos em um restaurante de alimentos saudáveis em Sunset Strip.

Com estúdios de gravação melhor equipados e um senso de estrutura pop mais padronizado, muitas bandas de Los Angeles quebraram o primitivismo que até ali havia guiado muitos grupos locais. Uma gravação como “Talk Talk” (Music Machine) ou “Hey Joe” (The Leaves) ou até mesmo a música dos Byrds dos primeiros tempos, dos Doors e do Love mostravam uma clarividência conceitual que tornou fácil a transição para o sucesso de nível nacional. O rei dos sons de garagem de Los Angeles era o produtor Ed Cobb, ex-membro dos Four Preps, que conduziu as carreiras dos Standells (“Dirty Water”) e da Chocolate Watchband (“Riot On Sunset Strip”) com um aguçado olhar sobre tendências pop e rebeldia adolescente.

Na área da Baía de San Francisco, no Norte da California, a ênfase era tanto nas harmonias folk com influência de Beatles quanto nas guitarras saturadas de fuzz. A primeira tendência era bem representada por bandas como os Beau Brummels, cujos hits de 1965 “Laugh Laugh” e “Just A Little” são trabalhos de composição maravilhosamente suaves na linha Merseybeat, descobertos pelo DJ Tom Donahue em seu pequeno selo Autumn e co-produzidos por Sylvester Stewart (mais tarde conhecido pela alcunha de Sly Stone). No outro extremo, bandas como The Syndicate Of Sound (“Hey Little Girl”) e The Count Five (“Psychotic Reaction” – um legítimo tributo aos Yardbirds) vieram de San Jose para pavimentar o caminho para os extraordinários sons do legendário Verão do Amor.

Ao lado de importantes bandas pioneiras como The Kingsmen e The Ventures, os freqüentemente esquecidos músicos do Paul Revere & The Raiders, originários de Oregon e responsáveis por sucessos como “Kicks” e “Just Like Me”, ajudaram a pavimentar o caminho para muitas bandas de garagem apresentando diariamente lições musicais no show televisivo vespertino do apresentador Dick Clark chamado Where The Action Is. Lar também de bandas como The Sonics (“The Witch”) e os Electric Prunes de Seattle (“I Had Too Much To Dream Last Night”), a região se segurou com o seu vibrante som da Costa Oeste.

O Sul encontrou mais dificuldade em estabelecer o seu som de garagem, talvez porque outras vertentes musicais eram mais fortes nessa região. O Texas tinha uma cena desenvolvida em padrões específicos, com bandas como o Sir Douglas Quintet, de Doug Sahm (banda que registrou um grande sucesso em 1965 com “She’s About A Mover”), The Moving Sidewalks (seu sucesso “99th Floor” apresentava o jovem Billy Gibbons que, mais tarde, seria um dos membros do ZZ Top), Mouse & The Traps (cujo hit “A Public Execution” é uma das melhores imitações de Bob Dylan já feitas), The Five Americans (“I See The Light”) e uma bizarra coleção de bandas centradas no selo International Artists, de Houston. Iluminados pelos “sons psicodélicos” dos Thirteenth Floor Elevators e seu massivo hit de 1966 “You’re Gonna Miss Me”, todas essas bandas acid-punk deveriam ser encaradas como o estágio secundário da evolução do rock de garagem, além da influência inglesa flutuando em suas atmosferas. Um bom exemplo de sua extraterrestrialidade poderia ser o álbum Parable Of Arable Land, da banda Red Crayola, que mesclava “bizarrices de forma livre” com canções.

A Costa Leste estava igualmente vibrando com a música jovem. Uma verdadeira megalópole do rock de garagem se estendeu desde Washington DC (The Hangmen), Filadélfia (o Nazz de Todd Rundgren, o Mandrake Memorial e Woody’s Truck Stop), atravessando por Nova Jérsei (com os Knickerbockers e os Critters), passando por Nova Iorque, cruzando Connecticut (The Original Sinners) e Rhode Island (Teddy & The Pandas), subindo até a extraoficial capital da Nova Inglaterra, Boston. Aí, bandas como The Remains galvanizaram platéias e até excursionaram com os Beatles, enquanto The Hallucinations coletaram os componentes baseados no blues para o que se tornaria a J. Geils Band. The Barbarians, por sua vez, faziam a pergunta musical “Are You A Boy Or Are You A Girl?”, colocando em perspectiva as implicações políticas de se ter cabelos longos. Seu melhor momento veio com uma canção intitulada “Moulty”, onde o baterista da banda contava a verdadeira história de como ele havia perdido a sua mão em uma explosão ocorrida em um racha de automóveis em uma autoestrada, e como o fato de tocar em uma banda havia lhe dado uma nova razão para viver: “Now all I need is a girl...”. E o que dizer de Squires, Floyd Dakil Combo, The Bedlam Four, The Clefs Of Lavender Hill, The Baloon Farm, The Lollipop Shoppe, The E-Types, The Stillroven, The Calico Wall, Thee Sixpence? As esperanças se fortaleciam com os quilômetros a serem percorridos ao longo da gloriosa estrada do rock, bandas que surpreendem até hoje pelo seu ímpeto.

Lá pelos meados dos Anos 1960, o mundo inteiro sucumbiu ao extraordinário impacto da Beatlemania. Se você tivesse o seu cabelo caprichosamente cortado em formato de cogumelo, falasse inglês com um leve sotaque cockney e estivesse tocando algum instrumento musical em alguma banda de rock, você teria uma chance absurdamente grande de se tornar um superastro. Isso era por volta de 1964 e 1965.

Quase do dia para a noite, em quase todas as cidades, os Estados Unidos responderam à Invasão Britânica. Centenas de adolescentes se “armaram” com guitarras e baterias, deixaram seus cabelos crescerem, e compraram roupas que emulavam a moda que estava em voga na Carnaby Street londrina – exceto pelo fato de que essas roupas eram adquiridas na loja mais próxima. Esses garotos contemplavam a fama, a fortuna, a diversão e as garotas que seus adversários britânicos conquistaram e eles também tinham vontade de pegar a sua fatia desse bolo.

Para a maioria, essa nova leva de bandas tocava rock de inspiração bluesística. É claro, eles nunca haviam ouvido os originais; eles aprenderam a lição conforme foi ensinada pelos novos mestres, tais como os Rolling Stones, os Pretty Things, os Animals etc. Willie Dixon? Muddy Waters? Ah, sim, esses caras escreviam canções para os Stones. A imagem era tudo e, embora esses garotos não fossem muito espertos, pelo menos eles sabiam que Muddy Waters não usava as botas dos Beatles e não tocava as guitarras Phantom da Vox.

Aprendendo blues através de músicos brancos ingleses e costumeiramente cantando com um sotaque inglês meio forçado, a coisa toda acabou se tornando um gênero dentro de si mesmo. Conforme o punk sessentista evoluía, as influências de R&B e do Merseybeat perdiam força e as bandas convergiam para diferentes tangentes tais como o folk-rock (The Leaves), punk de rua (The Standells), psicodelia (The Chocolate Watch Band) e pop (The Cryan’ Shames). O melhor de tudo era que, apesar dessas diferentes ramificações, as bandas continuavam com a sua crueza e ferocidade punk, simplesmente porque eles se mantiveram rebeldes do começo até o fim. É lamentável que muitos punks dos dias atuais se lembrem da música dos Anos 1960 como sendo apenas reflexo da Geração Hippie de Woodstock, porque as bandas punks sessentistas eram basicamente formadas por adolescentes cheios de frustrações e revoltados por causa das regras sob as quais eles eram obrigados a viver.

Havia muitos motivos para revolta. Os Estados Unidos eram muito conservadores e não encararam com bons olhos toda aquela rebelião jovem com adolescentes cabeludos usando roupas multicoloridas. Conforme a cena punk emergia dos subúrbios, ainda havia multidões de “greasers” remanescentes da década de 1950 prontos para se insurgir contra adolescentes com cortes de cabelo a la Beatles, todos doidos para cortar os cabelos da molecada. E, além disso, cada escola tinha as suas regras para as vestimentas dos alunos, o que significava que os rapazes tinham que andar sempre de cabelos cortados (os rapazes tinham que alisar seus cabelos para trás e depois penteá-los para a frente depois que saíam da escola), nada de jeans, nada de camisetas, nada de botas dos Beatles e para as garotas, nada de minissaias. O futuro se mostrava desolador, pois havia duas opções terríveis, ir para a escola ou ir para o Vietnã.

A música era uma boa maneira de disfarçar a frustração. Aquilo que havia começado como uma pura imitação de britânicos, rapidamente se tornou uma coisa única. Os punks das garagens produziam uma sonoridade cheia de tensão que poucos grupos britânicos produziam. Outros países, como o Canadá, a Austrália e até mesmo o Brasil (com bandas antológicas como Os Baobás e os Beatniks) também produziram cenas punks muito vibrantes, mas não havia comparação para aquilo que estava acontecendo nos Estados Unidos.

É claro que todos aqueles que estiveram envolvidos em toda essa excitante rebelião adolescente não tinham a menor idéia de que eles estavam criando o que acabaria sendo o mais vital e criativo tempo da história da música pop norteamericana. Mas, através dos únicos compactos simples de vinil, álbuns esparsos, publicidades em revistas destinadas a adolescentes e lembranças daqueles que viveram esse período, nós podemos juntar tudo isso e escrever essa história. Ao contrário de hoje, quando há um crítico em cada esquina, a metade dos Anos 1960 carecia de escritores que quisessem documentar o que estava acontecendo.

Em 1972, o músico e historiador Lenny Kaye (mais tarde integrante do grupo de Patti Smith) reuniu algumas gemas quase esquecidas de bandas punks norteamericanas da década anterior em um par de LPs. Essa coletânea seminal foi intitulada “Nuggets”, e a sua importância não pode ser mensurada. Nos comentários, ele batizou aquele gênero de “punk rock”. Aqui, pela primeira vez desde que a crítica de rock começou a extinguir a inocência do rock’n’roll, artistas como The Seeds, Shadows of Knight, Leaves, Mouse & The Traps e muitos outros começaram a receber o respeito que eles mereciam.

A coletânea Nuggets encontrou fãs de rock que estavam enjoados de suaves e sensíveis cantores-compositores e de pretensiosas bandas de rock progressivo. Esses fãs correram até a loja mais próxima para adquirirem aqueles selvagens sons sessentistas. E o que era mais impressionante nisso tudo é que Nuggets nos fez ver o quão pouco todos nós sabíamos a respeito do som punk dos Anos 1960. Depois de reconhecermos os óbvios, como “Dirty Water” (Standells), “Liar Liar” (The Castaways), “You’re Gonna Miss Me” (13th Floor Elevators) etc., fomos arremessados de frente a bandas praticamente obscuras que não chegaram a ver nem a sombra do sucesso, como The Del-Vetts, Chocolate Watch Band, The E-Types, The Mourning Reign e, literalmente, milhares de outras. Aquele foi, realmente, um verdadeiro trabalho de amor para os colecionadores sedentos do punk dos sixties. Nuggets abriu caminho para várias outras compilações que documentaram também o período mais excitante da música pop do século 20. Pebbles, Back From The Grave e tantas outras coletâneas vieram à luz e trouxeram ao alcance dos amantes do rock, verdadeiras preciosidades da década mais explosiva do século. A enxurrada de coletâneas tornou possível colecionar a música punk sessentista. Através do bom trabalho de selos como Voxx, A.I.P., Rhino, Edsel, Line, Satr-Rhythm, Bona-Fide e vários outros, parece que todas as gravações punks dos Anos 1960 terão uma reedição e voltarão a circular brevemente.

Talvez uma das razões por esse interesse pelo som punk original resida no fato de que ele se pareça bastante com o som punk atual. Musicalmente, grupos como RF 7, Circle Jerks, Black Flag e outros são extensões lógicas dos Sonics, dos Standells, dos Shadows Of Knight. Considerados desajustados por uma sociedade cruel, os punks atuais, como aqueles que vieram antes deles, fazem música para tentar ficar acima dos idiotas que tentam coloca-los para baixo. Conhecendo seus antecessores, os punks atuais, quem sabe, poderão aprender com os erros que acabaram matando os punks de garagem dos Anos 1960.

Embora os Anos 1960 pareçam bastante distantes hoje em dia, a sonoridade punk de garagem ainda soa fresca e excitante. A falta de comunicação entre as diferentes cidades dos Estados Unidos deixou a cena punk sessentista totalmente desorganizada, embora os registros musicais em vinil dessa época mostrem que cada pedaço do país contribuiu efetivamente para a revolução do punk garageiro. O jeito é fazer uma viagem no tempo e voltar para essa época.

A HISTÓRIA CONDENSADA DO PUNK SESSENTISTA


Quem inaugurou o Movimento Punk? Não se sabe se há uma resposta para essa inquietante questão. Um grupo como os Wailers já vinha alcançando um certo sucesso em 1959, e os Standells já estavam por perto, fazendo gravações, já no começo dos Anos 1960. Provavelmente o maior punk de todos os tempos seja Jerry Lee Lewis, que, até hoje, continua sendo um dos mais celebrados “bad boys” do rock and roll. Ainda que essas primeiras manifestações não constituíssem parte de uma cena consistente, elas simplesmente provam que um roqueiro de verdade é, no fundo da alma, um punk. O cenário punk em si não tomaria forma até que os Beatles, os Stones, os Animals, os Kinks e milhões de outros invadissem as praias estadunidenses. Depois da Invasão Britânica, cada cidade possuía dúzias de bandas de garagem. Havia cidades com apenas alguns poucos milhares de habitantes, mas que, mesmo assim, tinham pelo menos umas cinco ou seis bandas formadas por adolescentes explodindo de hormônios. Era assim em todos os lugares.

O punk de garagem norteamericano sobreviveu durante vários anos, mas o seu principal período de sucesso pode ser considerado o ano de 1966. Gravações rústicas encontravam abrigo em incontáveis estações de rádio e um grande número de singles lançados em compactos simples de 7 polegadas entravam para o Top Ten dos Estados Unidos. Era uma experiência emocionante ligar o rádio (apenas estações AM) e ouvir “Wooly Bully” (Sam ‘The Sham’ & The Pharaohs), “Dirty Water” (The Standells) ou “We Ain’t Got Nothin’ Yet” (Blues Magoos). O mercado musical jovem era efervescente e as estações de rádio, ao contrário do que acontece hoje em dia, conheciam os seus ouvintes e rapidamente capitalizaram em cima da onda.

Embora 1966 tenha sido um ano estelar, o punk de garagem estava destinado a ser destruído. E não foi apenas um único fator que o matou, mas um conjunto de fatores. Como era de se esperar, as grandes gravadoras ajudaram a ruir com a edificação do rock de garagem. Essas grandes corporações assinaram contratos com bandas que, antes, eram cruas e rústicas, mas, sob os auspícios dos magnatas da indústria, foram obrigadas a gravar baladas suaves, colocar seções de cordas em suas gravações, e, em muitos casos, eram convencidas a se retirar dos locais de gravação para que músicos de estúdio gravassem as partes instrumentais, deixando para os caras das bandas apenas o trabalho de colocar a voz sobre as bases pré-gravadas. Poucos grupos, como o American Breed, alcançavam o sucesso, mas aquela sonoridade punk já não era reproduzida da mesma forma. É bem triste saber como algumas bandas maravilhosas encerraram atividades.

Outra coisa que antecipou o fim dessas bandas foi o fenômeno da crítica musical de orientação roqueira. Jornalistas como os das revistas Crawdaddy e especialmente Rolling Stone classificavam o punk de garagem como uma praga. “Os músicos do Jefferson Airplane eram artistas sérios, mas os Electric Prunes eram uma brincadeira de mau gosto. Portanto, esses últimos jamais teriam espaço em nossas páginas”. Esse tipo de lógica fedia. Essas duas revistas foram a espinha dorsal do Movimento Hippie que estava se espalhando através de todo o país e a ascensão desse movimento deixou para trás os grupos punks que não conseguiram se adaptar à nova tendência e os grupos punks que até tentaram mudar mas soaram tão estúpidos que isso acabou ferindo sua própria causa. Todos estavam tão ávidos por conseguirem mais espaço nas paradas de sucesso que nunca passou pelas suas cabeças que eles poderiam continuar sobrevivendo através do culto que os seus seguidores promoviam. O último prego fincado no caixão do punk de garagem foi a falência das boas estações de rádio AM de rock and roll. As estações FM estavam começando a ditar as regras e o formato AM não mais se tornaria tão comum. Havia espaço suficiente para as grandes gravadoras continuarem a lançar seus sucessos, mas os pequenos selos independentes (os verdadeiros responsáveis pelo lançamento e popularização das bandas punks de garagem) foram todos à falência. Foi bom enquanto durou.

GRAVADORAS INDEPENDENTES


Justamente como acontece hoje em dia, as grandes gravadoras eram cautelosas ao darem chances de gravação para muitos artistas iniciantes nos Anos 1960. Por isso, ficou a cargo das corajosas gravadoras independentes a tarefa de lançar as sementes fonográficas do punk de garagem sessentista. Pequenos empresários, procurando pelos seus próprios “Beatles”, assinaram contratos e gravaram com bandas que acabaram se revelando verdadeiras minas de ouro, ao passo em que alcançavam facilmente o sucesso regional. Um exemplo disso é que, nos últimos meses de 1966, na cidade de Cleveland, uma banda chamada The Choir ultrapassou os Beatles nas paradas de sucesso com o delicioso Merseybeat “It’s Cold Outside”. Ou seja, não foi um sucesso nacional, mas foi um grande sucesso localizado em uma determinada cidade. E foi assim em todo o país. Mesmo que a gravação não alcançasse o tão sonhado sucesso de nível nacional, a repercussão regional já era suficiente para garantir o lucro dos pequenos selos que, com isso, se multiplicavam. Alguns poucos selos independentes, como o Original Sound (com a Music Machine), o GNP Crescendo (com os Seeds), o Dunwich (com os Shadows of Knight) e o Cameo Parkway (com ? & The Mysteryans) foram razoavelmente sortudos em alcançar as paradas nacionais de sucesso.

As gravadoras independentes dos Anos 1960 enfrentavam os mesmos problemas que suas similares enfrentam hoje. Os pagamentos dos distribuidores regionais eram sempre atrasados e, na maioria dos casos, elas se sentiam com sorte de receber algum dinheiro. Uma pequena gravadora poderia ter uma gravação que faria um grande sucesso e não receber dinheiro algum por isso. Com um orçamento limitadíssimo, os problemas cresciam. Se uma banda já encontrava problemas em promover a sua canção candidata ao sucesso, imagine se não encontraria problemas em promover a carreira toda por essa eventual gravadora com pouco dinheiro em caixa. A conseqüência disso é que os Anos 1960 é repleto de bandas que emplacavam um grande sucesso e, tão rápido quanto surgiam, desapareciam de cena.

Mas, embora as gravadoras independentes tenham sido o pilar fundador do punk de garagem, as grandes gravadoras também contribuíram enormemente. Havia uma plenitude de refinados sucessos. Por exemplo, Paul Revere & The Raiders emplacaram uma fileira de clássicos como “Steppin’ Out”, “Just Like Me”, “Hungry” e “Kicks” antes da gravadora Columbia transforma-los em marionetes e fazer de Mark Lindsay um ídolo adolescente ao invés de um ídolo punk. A gravadora Mercury tinha os fantásticos Blues Magoos, cuja visão do punk psicodélico só está começando a ser reconhecida recentemente por historiadores e aficionados como uma das mais refinadas daquele período.

Ainda assim, as majors eram costumeiramente tapadas. Os Remains saíram em turnê com os Beatles, e, em várias ocasiões, as suas apresentações superavam em energia e magnetismo as próprias apresentações dos quatro rapazes de Liverpool. Mesmo com isso, a gravadora Capitol não lançou o álbum de Barry Trashian e seus parceiros a tempo de capitalizar em cima dessa publicidade. Outra escorregada da Capitol: Faturando alto com a trinca Beatles/Beach Boys/Peter & Gordon, os executivos dessa gravadora relegaram a banda The Lost (originária de Boston, como os Remains) ao segundo plano. A Capitol lançou apenas dois singles dessa banda e deixou-os de lado. Há rumores de que há um álbum do The Lost gravado nessa época e engavetado até hoje, apenas esperando por uma edição digital. Entusiastas do punk rock sessentista esperam ansiosos por esse lançamento.

Há uma infinidade de outras histórias. Nada mudou, à medida que as gravadoras independentes trabalham duro para construir um artista apenas para vê-los devorados pelo monstro corporativo, que os faz rastejar para terem algum espaço.

MÍDIA

Antes da Rolling Stone e da Crawdaddy, não havia aquilo que podemos classificar como publicação direcionada ao rock. A única exposição em nível nacional que um artista poderia ambicionar era aparecer em revistas de orientação adolescente geralmente consumidas por garotinhas. Raramente poderia se falar sobre influências musicais, equipamentos, técnicas de gravação e coisas desse tipo. Ao invés disso, poderíamos aprender coisas como a cor favorita de Ronnie Magoo ou de como Jim Sohns gostava de se portar em um encontro. Até que são coisas simpáticas, mas esses caras não eram os tolinhos que essas revistas queriam fazer com que eles se parecessem.

Mas até que isso não era tão mau assim. Ainda havia um par de explosivas publicações locais. O The Beat, da KRLA, era o melhor lugar para se ler algo sobre a cena punk de Los Angeles. A estação logo publicaria edições em outras cidades. A lista musical de “sucessos” podia não ser a mais acurada – com incontáveis gravações punks entrando para o Top 40, mas isso era decididamente divertido, aí é que estava a graça do negócio. Se a The Beat falhava no quesito força crítica, pelo menos capturou o espírito da época de forma divertida. Em Boston, havia a New England Teen Scene, uma publicação que trazia grandes entrevistas pouco conhecidas como as que foram feitas com The Rockin’ Ramrods, The Lost, Flat Earth Society, e The Ones. A empresa de equipamentos Vox publicava um jornal/catálogo que não apenas promovia os seus instrumentos como também os grupos que os usava. Poderia não ser muita coisa, mas, tendo em conta de que todos, desde Beatles/Rolling Stones até Chocolate Watch Band/Seeds usavam instrumentos da marca Vox, havia, sim, muitas histórias interessantes para serem lidas.

A Hit Parader era a melhor revista de nível nacional dedicada ao punk de garagem, mas até mesmo essa publicação não entendia muito bem o que estava acontecendo. Seus corações e suas mentes estavam mais centrados na cena R&B inglesa e no folk-rock norteamericano (eles adoravam o Lovin’ Spoonful e a Jim Kweskin Jug Band). Uma banda que eles apoiavam era os Blues Magoos, mas eles desprezavam ? & The Mysteryans e The Count Five. Apesar disso, a Hit Parader foi uma grande publicação dos Anos 1960.

O rádio era realmente muito legal. As estações não estavam programadas para agir dentro de certas regras nebulosas, como aconteceria mais tarde. Os DJs, nessa época, eram livres para tocar o tipo de música no qual eles realmente acreditavam, sem coerção financeira nem imposições de gravadoras. Isso resultou em incontáveis sucessos regionais dos quais ninguém havia ouvido falar antes. Por exemplo, um sucesso como “Open Up Your Door”, da banda Richard & The Young Lions, poderia estar recebendo uma massiva execução radiofônica na região de North Jersey/Nova Iorque, mas poderia não ter tocado nenhuma vez nas rádios de uma região como a de Philly, por exemplo. Os DJs pareciam saber muito bem o que estavam fazendo, pareciam conhecer muito sobre o tipo de música que eles estavam tocando, o que tornava as coisas bem melhores. Encorajadas pelo sucesso regional, as estações de rádio AM eram os motivos primordiais pelo que podemos classificar como o período mais criativo do rock estadunidense. Quando a cena punk perdeu esse apoio, então tudo acabou, aquilo tudo encontrou o seu fim.

Mas a televisão também foi muito importante para o rock de garagem. Muito antes de qualquer pessoa sequer pensar em algo semelhante à MTV, os punks já haviam encontrado exposição nacional na telinha. Poucos dos punks pioneiros apareceram no Shindig e no Hullaballoo (dois programas que a MTV deveria ter a decência de reprisar). Depois disso, o apresentador Dick Clark tinha os seus dois campeões de audiência, American Bandstand (para os sucessos massivos de nível nacional) e o antológico Where The Action Is (que contava com Paul Revere & The Raiders como banda residente). Este último trazia inesquecíveis performances dos melhores roqueiros dos Anos 1960 – punks, bandas britânicas, folk-rock, soul etc. Era um programa verdadeiramente extraordinário. Mais tarde, Dick Clark daria a Paul Revere & The Raiders um programa de TV exclusivo, o Happening ’68, mas, apesar de algumas performances brilhantes e da transmissão de algumas “Battle Of The Bands”, o tempo foi passando e o programa foi aos poucos saindo do ar. Dick Clark possui a íntegra de todos os episódios de todos esses programas e já foi sondado para torna-los acessíveis via TV a cabo, VHS ou DVD. É um crime que todo esse acervo esteja encostado em alguma prateleira empoeirada.

Havia também um programa de TV baseado em Cleveland chamado Upbeat. Esse programa era um sonho dos entusiastas do rock de garagem que se tornava realidade, pois todas as melhores bandas se apresentaram aí. Muitos se lembram de apresentações de Shadows Of Knight, Magicians e The Choir. O programa era apresentado por Don Webster e não só os saudosistas adorariam rever tal programa.

Todas as cidades tinham os seus programas musicais televisivos locais, que, usualmente, apresentavam grandes nomes do cenário artístico nacional, assim como sucessos regionais. Alguns como Lloyd Thaxton’s, Jerry Blavat’s, Hy Hit’s e Clay Cole’s tiveram breve ligação com o sindicato.

Os filmes também usavam as bandas de garagem nas cenas de festa. Algumas das muitas bandas que podem ser vistas durante apresentações noturnas praianas são The Leaves, Beau Brummels, Standells, Seeds, Chocolate Watch Band, Barbarians etc. Imperdível também é o legendário filme Riot On Sunset Strip, que era baseado no Movimento Punk de Sunset Strip. The T.A.M.I. Show Movie (Teen Age Music Incorporated) também é outro grande filme.

O CENÁRIO DAS TURNÊS E DOS CLUBES

Este foi particularmente um estágio seminal do rock. Portanto, não se encontra bem organizado. Muitos grupos tinham seus singles nas paradas, ainda que continuassem fazendo apresentações em ginásios de escolas secundárias e em feiras no interior do país. Outros abriam as apresentações de bandas mais conhecidas e de maior sucesso. Quando grupos como os Byrds, os Stones ou Paul Revere & The Raiders saíam em turnês, eles usavam grupos punks locais como The Lost, Zakary Thaks ou The Remains para abrirem seus shows. Dick Clark tinha as suas turnês intituladas “Caravana das Estrelas”, que apresentava grandes bandas punks como Don & The Goodtimes, The Robbs, The Hardtimes e os próprios Raiders.

Havia clubes para adolescentes, bem como casas noturnas para o pessoal mais velho. Conforme cada banda consagrada tocava em lugares como o Whiskey A Go Go, o Cyro’s (lar dos Byrds e dos Leaves) e It’s Boss, podiam ver por que Los Angeles apresentava uma cena tão ativa. Boston tinha o Tea Party e The Rat e Nova Iorque tinha o Cafe Au Go Go e o The Night Owl. Cada cidade parecia possuir pelo menos um clube de renome para apresentar shows de grandes bandas (e outras nem tão grandes assim).

Para as bandas que não conseguiam alcançar as paradas nacionais de sucesso ou mesmo as regionais, havia as competições denominadas de “Batalhas das Bandas”. Aí, os grupos formados por jovens competiam entre si para ver quem possuía uma apresentação que empolgava mais o público. O prêmio era normalmente a assinatura de um contrato com alguma gravadora independente. Adolescentes se acotovelavam em recintos apertados para ver uma dúzia ou mais de bandas que aspiravam ser os novos Rolling Stones do pedaço. Muitas dessas apresentações foram gravadas e essas gravações acabaram inevitavelmente se tornando alguns dos mais procurados itens de colecionador de artefatos garageiros dos sixties. Quem ouve essas gravações certamente concorda que a maioria dessas bandas era bem ruim. Ainda assim, pode-se perceber um vívido entusiasmo em sua música. E isso era muito importante para esses jovens. Por um dia ou dois, esses garotos poderiam sonhar que eram astros do rock, o que era um grande jeito de escapar da dura realidade de tarefas e provas escolares nas salas de aula.

MODA

A moda era tão importante quanto a música no contexto da psicodelia sessentista. Para garotos, isso significava deixar o cabelo crescer no estilo “cogumelo”. O rolling stone Brian Jones foi considerado o melhor estilo de cabelo. Portanto, aquele que chegava mais perto do estilo dele era considerado muito popular. Entre os punks norteamericanos, Joe Kelley, baixista dos Shadows Of Knight, e também todos os integrantes dos Blue Magoos, tinham excelentes estilos de cabelo. Era quase impossível ver seus olhos. Aqueles que não tinham cabelos longos deixavam que o cabelo crescesse até o queixo e penteavam para os lados, permitindo que o mesmo caísse na própria face, conforme tocavam o seu instrumento. Mais tarde, conforme o estilo mudava de punks para hippies, os caras começaram a repartir o cabelo no meio e deixar que crescessem até os ombros. Mas essa é uma outra história.

As garotas não tinham um papel ativo na cena garage punk. As bandas eram 100% formadas por homens. Entretanto, as platéias eram quase sempre compostas por mulheres, em sua maioria. Uma porção de rapazes se sentia ofendida pelos cortes de cabelo e pelas vestimentas que os músicos ostentavam, mas as garotas adoravam, pois fazia lembrar os seus ídolos britânicos. Portanto, as garotas que seguiam a cena tentavam agradar as bandas, trabalhando duro para se vestirem como garotas inglesas, ou “pássaros”, como elas eram então chamadas. O cabelo era usado longo e liso. Se uma garota tivesse cabelo naturalmente cacheado, tratava logo de alisá-lo com ferro quente. Instruções para essa complicada operação podiam ser encontradas em revistas dedicadas a adolescentes.

As roupas eram usadas o mais curtas possível (pelo menos o mais curta quanto as escolas pudessem permitir) e as botas eram as mais bonitas do momento. Opcionais, mas não menos importantes, estavam os cintos com fivelas grandes e os chapéus “mod”. Se alguém dissesse a uma garota que ela se parecia com Marianne Faithfull, ela se sentia satisfeita por estar na moda. O visual de Marianne era o visual perseguido pela maioria das meninas. Além dos já citados tipos de cabelos, os garotos costumavam também usar calças de veludo ou caneladas, a não ser que quisessem parecer realmente sinistros – nesse caso, usavam calças jeans pretas. As camisas eram intensamente coloridas (com listras, bolinhas ou paisley) e, algumas vezes, mangas largas. A exemplo das garotas, os garotos também usavam cintos com fivelas grandes e capas de corduroy. Para os pés, havia as botas dos Beatles (importadas da Inglaterra), com salto alto e bicos pontudos.

Os instrumentos musicais eram parte essencial do visual. Como já foi dito, muitos grupos usavam instrumentos da Vox. Portanto essa era a marca mais freqüentemente lembrada quando se falava em bandas de garagem. Os instrumentos da Vox não tinham necessariamente o melhor som e não eram necessariamente os mais fáceis de serem tocados (o manejo dos braços da guitarra e do baixo eram horríveis), mas eles eram, disparado, os de visual mais incrementado. É importante lembrar que a imagem era um fator importante. Outras guitarras bastante populares eram a Rickenbacker (especialmente a de 12 cordas, usada pelas bandas de folk-rock), a Fender (Stratocaster, Telecaster e Jaguar) e a Silverstone da Sears. Para os órgãos compactos, as marcas eram Vox (Jaguar e Continental) ou Farfisa. Os amplificadores eram Fender (Twin Reverb, Super Reverb e Bandmaster) ou Vox (Super Beatle e Buckingham).

PACÍFICO NOROESTE

É bem possível que as primeiras manifestações do punk tenham vindo dessa região dos Estados Unidos. Ao invés de “batalhar” contra os Beatles, no final da década de 1950, fortes e rústicos grupos instrumentais como os Wailers (“Tall Cool One”) estavam providenciando uma alternativa contra o pop que parecia estar lentamente tomando o lugar do rock. Bandas tocando ao vivo dominaram essa região e as festas dançantes ficavam lotadas, com pessoas loucas para ver as apresentações dessas bandas.

Na época em que o som punk se alastrou pelos Estados Unidos, o Noroeste estava apinhado de músicos veteranos que estavam prontos para combater a Invasão Britânica. Grupos noroestinos como Sonics, Wailers, Paul Revere & The Raiders e Don & The Goodtimes eram os melhores, já que eles guardavam mais similaridade com britânicos como Kinks, Yardbirds e Pretty Things.

Os Sonics (de Tacoma, Washington) eram liderados por um cara muito doido chamado Gerry Roslie. Eles gravaram vários álbuns, e, com clássicos como “Psycho”, “The Witch”, “Strychnine” e “Boss Hoss” eles se estabeleceram como uma influência que atravessou gerações (Vide The Cramps). Roslie era um vocalista seguro, que dava o melhor de si em seus berros, e tinha uma banda “selvagem” o suficiente para acompanhar seus gritos. Eles simplesmente detonavam. A música dos Sonics pode não ser “bonitinha”, mas é absolutamente essencial.

Os Wailers, também originários de Tacoma, tiveram o seu grande sucesso, “Tall Cool One”, em 1959, mas eles se ajustaram à Revolução Punk de maneira satisfatória, gravando uma série de fortes álbuns. Três de seus petardos punks foram gravados pelo selo Etiquette: “Dirty Robber”, “Bama Lama Loo” e “Out Of Our Tree”. Mesmo não sendo tão despirocados quanto os Sonics, os Wailers tinham muito o que oferecer e não tinham nada a ver com Bob Marley.

Os Kingsmen, de Portland, são frequentemente lembrados por serem os donos da versão mais popular da canção punk mais gravada pelas bandas de garagem, o clássico “Louie Louie”. Este simples exercício de três acordes de arrogância sexual era tudo o que a cena punk procurava. Essa pequena canção chegou a ser até objeto de investigação do FBI por obscenidade e foi banida de uma série de estações de rádio. Mas os adolescentes compraram o compacto dos Kingsmen, apesar dos conselhos de seus pais, e “Louie Louie” acabou se tornando um grande sucesso. Embora outras bandas tenham gravado boas versões desse clássico do R&B de autoria de Richard Berry, os Kingsmen fizeram mais sucesso comercial (antes do Black Flag tê-la gravado). Os Kingsmen gravaram várias faixas matadoras como “Night Train”, “That’s Cool That’s Trash”, “The Jolly Green Giant” e “The Climb”. Uma boa pedida é o disco A Quarter To Three onde a banda detona clássicos da garagem como "Satisfaction”, “Hang On Sloopy” e “Poison Ivy”.

Entretanto, embora isso possa causar alguma polêmica, a melhor banda do Noroeste dos States nos Anos 1960 foi mesmo Paul Revere & The Raiders. Embora eles tenham experimentado o seu período de maior sucesso quando eram contratados da Columbia, seus singles e álbuns do começo da carreira continuam sendo verdadeiros clássicos do rock. Os melhores momentos da banda começaram quando Paul Revere convenceu seu jovem saxofonista Mark Lindsay a largar seu instrumento de lado e começar a cantar. Durante vários anos não havia páreo para eles, e “Steppin’ Out”, “Just Like Me”, “Hungry”, “Great Airplane Strike”, “Ups And Downs” e “Kicks” se tornaram grandes sucessos punks. Então, algo estranho aconteceu. Um a um, os membros começaram a abandonar a banda e a Columbia trocou o nome do grupo para Paul Revere & The Raiders With Mark Lindsay. Nos tempos iniciais, ele era a voz dos punks, mas então, em sua empreitada solo, passou a habitar as fantasias de garotinhas adolescentes. A música foi se tornando mais tola a cada lançamento, e então esse grande grupo punk acabou se tornando tão relevante quanto Jay & The Americans. Podemos dizer que um dos maiores crimes musicais cometidos durante a Primeira Era Psicodélica foi esse lento e doloroso declínio de Paul Revere & The Raiders.